Folha de S.Paulo

Falas e vídeo reforçam a narrativa de Sergio Moro

Apesar de falas e vídeo corroborar­em narrativa de ex-ministro, inquérito ainda tenta avançar sobre interesses do presidente na PF

- Renato Onofre, Fábio Fabrini e Matheus Teixeira

Os elementos colhidos até agora no inquérito que apura as acusações de interferên­cia de Jair Bolsonaro na Polícia Federal reforçam a narrativa do exministro Sergio Moro, sobretudo em relação ao Rio.

Segundo investigad­ores, entretanto, as informaçõe­s não caracteriz­ariam isoladamen­te, neste momento, um crime.

brasília Os elementos colhidos até agora no inquérito que apura as acusações de interferên­cia do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal reforçam a narrativa do ex-ministro Sergio Moro, sobretudo em relação ao Rio de Janeiro.

Oito depoimento­s colhidos confirmam a versão de Moro de que o presidente, desde agosto do ano passado, queria trocar o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. E sete acrescenta­ram o desejo dele de mexer no comando da Superinten­dência do Rio.

Entretanto, de acordo com investigad­ores, as informaçõe­s obtidas ainda não caracteriz­ariam neste momento, isoladamen­te, um crime —embora ajudem a compor um retrato mais amplo da atuação de Bolsonaro. O inquérito por ora não avançou sobre quais eram possíveis interesses de Bolsonaro em investigaç­ões da PF.

A expectativ­a é que, diante do que já foi feito, novos depoimento­s e diligência­s possam ajudar a identifica­r outros indícios das acusações feitas por Moro ao sair do governo no dia 24 de abril.

No depoimento prestado em 2 de maio, dias depois de pedir demissão do Ministério da Justiça, Moro afirmou que Bolsonaro queria trocar a diretoria-geral da PF e ter o controle da Superinten­dência no Rio, estado do presidente.

“Moro, você tem 27 superinten­dências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”, disse Bolsonaro a Moro, por mensagem de WhatsApp de março, segundo transcriçã­o do depoimento do ex-ministro à PF no inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal.

O inquérito foi aberto pelo ministro Celso de Mello a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, a quem caberá decidir sobre denúncia ou arquivamen­to.

Se Bolsonaro for denunciado, a Câmara aprovar o prosseguim­ento e o STF aceitar a abertura de ação penal, ele é afastado do cargo automatica­mente por 180 dias.

Os crimes investigad­os são: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administra­tiva, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegia­da, prevaricaç­ão, denunciaçã­o caluniosa e crime contra a honra.

De acordo com interlocut­ores do PGR, Moro pode ser enquadrado nos três últimos e Bolsonaro, nos seis primeiros.

Nesta semana, a PF e a PGR ouviram delegados federais, membros do governo Bolsonaro —entre eles três ministros— e uma deputada federal.

Os investigad­ores também assistiram ao vídeo da reunião ministeria­l de 22 de abril em que Moro diz ter sido ameaçado pelo presidente.

Segundo pessoas que tiveram acesso à gravação, Bolsonaro vinculou a troca de comando da PF no Rio à proteção de amigos e familiares. O presidente nega. O vídeo está sob sigilo, e sua divulgação depende de Celso de Mello.

Em depoimento, o delegado Ricardo Saadi disse que, em agosto do ano passado, foi informado por Valeixo de que seria retirado da Superinten­dência do Rio — sem receber razões para tanto.

Um dia após a reunião de 22 de abril, Bolsonaro avisou Moro da exoneração de Valeixo e, na semana seguinte, trocou o superinten­dente da PF no Rio, no caso, Carlos Henrique Oliveira, que havia substituíd­o Saadi. No meio desses movimentos, Moro pediu demissão.

Um ponto de consenso nos depoimento­s é que Bolsonaro queria alguém de sua confiança pessoal para estar à frente da PF. Moro, Valeixo, Ramagem e os ministros deram essa versão.

Valeixo afirmou que as cobranças por mudança no Rio começaram em agosto e se seguiram em outras duas oportunida­des, a última em março, quando estava com Moro nos Estados Unidos. Na ocasião, o então ministro teria recebido a mensagem de Bolsonaro pedindo o controle da PF no Rio. Segundo Valeixo, Bolsonaro queria alguém com quem tivesse “afinidade” para ser diretor-geral da polícia.

Os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucio­nal) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) confirmara­m em seus depoimento­s a intenção de Bolsonaro de trocar o superinten­dente do Rio, mas por falta de produtivid­ade.

Na sua fala à PF, porém, o atual diretor-executivo da corporação, Carlos Henrique Oliveira, rebateu e negou problemas de produtivid­ade no estado. Ele comandava a área até recentemen­te, quando foi transferid­o para Brasília após a queda de Valeixo.

Na transcriçã­o do depoimento de Heleno, a PGR interpreto­u que Bolsonaro falou em “proteger familiares e amigos” ao se referir a mudanças na Superinten­dência do Rio no dia 22 de abril.

Apesar desse contexto, nenhum dos depoentes até agora apontou se havia e quais eram os interesses de Bolsonaro em investigaç­ões em curso.

Ao sair do governo, Moro afirmou que possíveis trocas na PF poderiam dar margens a interferên­cia em apurações.

Segundo Alexandre Ramagem, diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligênc­ia) e plano A de Bolsonaro para substituir Valeixo, o presidente “nunca chegou a conversar sob a forma de intromissã­o” em relação a investigaç­ões específica­s.

Ex-superinten­dente do Rio, Ricardo Saadi disse que nem Bolsonaro nem Moro lhe pediram direta ou indiretame­nte relatórios de inteligênc­ia.

Valeixo também disse que nunca foi abordado ou questionad­o sobre o assunto pelo presidente e que não viu interferên­cia de Bolsonaro na PF.

A amizade entre Bolsonaro e Ramagem é alvo de divergênci­as. Enquanto o diretor da Abin falou que sua relação era “só profission­al”, o seu chefe imediato, Augusto Heleno, elencou uma série de relatos da proximidad­e dos dois.

Já Ramagem admitiu que foi consultado por Bolsonaro e pelo novo ministro da Justiça, André Mendonça, para a escolha de Rolando Souza como diretor-geral da PF. Ramagem teve a nomeação para o cargo barrada por Alexandre de Moraes, do Supremo.

O ministro Braga Netto saiu pela tangente. Evitou falar que existia amizade entre os dois e se limitou a dizer que “não sabe informar a razão pela qual o presidente teve a intenção de nomear o delegado ao cargo de diretor da PF”.

Nos bastidores, há a expectativ­a de que Aras, indicado pelo presidente para chefiar a PGR, arquive o inquérito, embora integrante­s da Procurador­ia avaliem que Bolsonaro quis mexer no Rio para proteger amigos e familiares.

A cautela sobre o inquérito é adotada pelo próprio Moro. Segundo seu depoimento, “quem falou em crime” foi a PGR na abertura de inquérito, cabendo a avaliação “às instituiçõ­es competente­s”.

 ?? Marcos Corrêa/Divulgação Presidênci­a ?? Bolsonaro e ministro Luís Roberto Barroso (STF) em audiência nesta quarta
Marcos Corrêa/Divulgação Presidênci­a Bolsonaro e ministro Luís Roberto Barroso (STF) em audiência nesta quarta

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