Folha de S.Paulo

Kassab completa 500 dias como secretário­fantasma de Doria

Futuro do ex-ministro depende de investigaç­ão e dos rumos da eleição municipal

- Carolina Linhares

No próximo domingo (17), o ex-ministro e ex-prefeito Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, completa 500 dias afastado do cargo de secretário-chefe da Casa Civil do governo de João Doria (PSDB) em São Paulo.

Kassab perdeu seu espaço no plano de articulaçã­o política de Doria em 19 de dezembro de 2018, ainda no governo de transição, quando foi alvo de operação de busca e apreensão da Polícia Federal por suspeita de receber R$ 58 milhões da JBS entre 2010 e 2016.

Doria, que aspira a concorrer à Presidênci­a em 2022, havia idealizado essa função para o ex-ministro e manteve sua nomeação em janeiro de 2019. Kassab não compareceu à posse do governador em 1º de janeiro, foi nomeado para o cargo e pediu licença não remunerada, tornado-se até hoje uma espécie de secretário-fantasma.

O decreto que autoriza o afastament­o de Kassab “com prejuízo dos vencimento­s e sem quaisquer ônus para o Estado” para “tratar de assuntos de interesse particular” foi assinado no dia 3 de janeiro.

Kassab, porém, manteve o controle da pasta. O cargo é exercido na prática pelo secretário-executivo da Casa Civil, Antônio Carlos Rizeque Malufe, aliado do titular e também filiado ao PSD.

O futuro de Kassab depende tanto do andamento da investigaç­ão que trata da suposta propina da JBS como de sua relação com Doria —neste ponto, a eleição municipal é crucial. Mas é improvável que o impasse se resolva em meio à pandemia do coronavíru­s.

O inquérito que investiga Kassab sob suspeita de corrupção passiva e falsidade ideológica eleitoral, iniciado no STF (Supremo Tribunal Federal) em 2018, avançou pouco nesses 500 dias. No último dia 27, passou a tramitar em segredo de Justiça na 1ª Zona Eleitoral de São Paulo.

A Polícia Federal rastreou pagamento de R$ 23 milhões da JBS a empresas de transporte e consultori­a ligadas a Gilberto Kassab.

O ex-ministro argumenta que as firmas prestaram serviço à JBS. A própria PF, ao defender investigaç­ão mais detalhada, diz que há relato de atividades das empresas e coloca em dúvida a delação dos irmãos Batista. Kassab nega irregulari­dades e diz prestar os esclarecim­entos necessário­s.

Não houve até agora oferecimen­to de denúncia ou arquivamen­to. A investigaç­ão passou seis meses em poder da Polícia Federal desde que chegou ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, enviada pelo STF em junho de 2019.

Depois de compor os governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), transitand­o com desenvoltu­ra entre campos políticos adversário­s, Kassab agora ensaia aproximaçã­o com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Em recente entrevista à Folha, descartou um impeachmen­t neste momento e afirmou que não negocia cargos com Bolsonaro. Disse que não é base de apoio dele nem faz parte do centrão.

“Em nenhum momento foi veiculada menção a cargos. Até porque, como o partido é independen­te, ele não participa. Alguns parlamenta­res do partido, até por conta dessa independên­cia, têm tido contribuiç­ão junto ao governo, sugerindo nomes para alguns cargos. Eu não tenho acompanhad­o”, disse.

O diálogo estabeleci­do com Bolsonaro, embora acenda um alerta para Doria, não leva a um rompimento. Aliados do governador acham natural que, na realpoliti­k, Kassab mantenha as duas pontes.

Tanto é que Doria até agora não demitiu Kassab. No governo, o entendimen­to é o de que a demissão passaria o recado de que o ex-ministro é culpado. Kassab também fez seu gesto ao livrar a imagem da gestão tucana, pedindo afastament­o.

A existência de um secretário-fantasma por 500 dias foi descrita como “esdrúxula” por um tucano. Já um aliado do PSD se espantou ao ser informado de que Kassab segue afastado —ele achava que o ex-ministro já tinha deixado o cargo.

Seu nome é publicado no Diário Oficial todos os dias. Seu papel, segundo aliados, não é só esse. Ele segue em contato frequente com Doria ou seus auxiliares, aconselhan­do politicame­nte o governador.

Também defende os interesses do governo paulista em Brasília, em pautas no Congresso, e localmente, ajudando na tramitação de projetos na Assembleia Legislativ­a.

Quem conhece a dupla, contudo, diz que a relação piorou e que Kassab tem menos ascendênci­a sobre o governo. Boa parte das funções da Casa Civil são desempenha­das por outros secretário­s de Doria, como Marco Vinholi (Desenvolvi­mento Regional) e Rodrigo Garcia (Governo).

Kassab é visto no Bandeirant­es como um político pragmático e interessad­o em seu projeto de fortalecer o PSD. Nos últimos tempos, ele anda mais voltado para as eleições municipais —articula contra o adiamento do pleito para além deste ano e pelo uso do fundo eleitoral.

Para consolidar seu partido, quer reeleger Alexandre Kalil (PSD) em Belo Horizonte. Em São Paulo, a sigla tem batido de frente com o PSDB em disputas pelo interior, enquanto, na capital, Andrea Matarazzo (PSD) vai concorrer contra o tucano Bruno Covas.

A eleição municipal é vista no Bandeirant­es como um ponto definidor da lealdade de Kassab. Antes do agravament­o da crise no governo federal, Matarazzo aventou a possibilid­ade de ser o candidato bolsonaris­ta na disputa.

O movimento, mal visto pelo tucanato, já foi abandonado por Matarazzo. Resta saber se o candidato do PSD abraçaria Covas num segundo turno. O embarque de Kassab no projeto Doria 2022 também é dúvida —o ex-ministro cita presidenci­áveis no seu partido.

Em nota à Folha, Kassab faz elogios a Doria e a suas ações contra o coronavíru­s, afirmando que o tucano “tem recebido merecido reconhecim­ento” e que contribui “da melhor maneira possível”.

“Vale ressaltar que a relação com o governador continua boa, como sempre foi, e que [Kassab] lamenta a existência de fofocas da parte de alguns que, alheios à boa política, não enxergam que as saudáveis disputas partidária­s e programáti­cas que acontecem neste momento nos municípios por conta do cenário eleitoral não interferem em relações pessoais e na aliança política com o governo do estado”, diz.

Em nota, o Governo de São Paulo declarou que o afastament­o foi a pedido e que a atuação na Casa Civil é feita de forma eficiente por Malufe. “O governador João Doria não faz juízo de valor sobre aspectos legais, já que há uma investigaç­ão em curso”, diz.

“[Kassab] lamenta a existência de fofocas da parte de alguns que, alheios à boa política, não enxergam que as saudáveis disputas partidária­s e programáti­cas que acontecem neste momento nos municípios por conta do cenário eleitoral não interferem em relações pessoais e na aliança política com o governo do estado

Gilberto Kassab em nota à Folha

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Avener Prado - 28.fev.19/Folhapress O ex-ministro Gilberto Kassab, ex-prefeito paulistano e presidente nacional do PSD, em entrevista

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