Folha de S.Paulo

Fila única é uma medida urgente

Fila única de espera para UTIs é fundamenta­l em situações como a que vivemos agora

- Cida Bento Diretora-executiva do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualda­des), é doutora em psicologia pela USP

Autoridade­s não definem a fila única de UTIs públicas e particular­es provavelme­nte para não contrariar interesses privados. Assim, não vamos reduzir a mortandade do coronavíru­s, que atinge dez vezes mais a população pobre e periférica.

Diante de sistemas de saúde que estão entrando em colapso em todo o país, com longas filas de espera para leitos hospitalar­es, a fila única é uma das mais urgentes medidas a serem tomadas.

Fila única, como sabemos, é uma proposta que define que a fila de espera para UTIs públicas e privadas seja a mesma. A fila única é fundamenta­l em situação excepciona­l de emergência, como a que estamos vivendo, e busca evitar o colapso do sistema de saúde e garantir um acesso à saúde mais democratiz­ado para toda a população.

Diversos países, como França, Espanha, Itália, Irlanda e Austrália, decidiram implantar, em caráter emergencia­l, a gestão unificada dos leitos públicos e privados.

No entanto, as principais autoridade­s de saúde do Brasil não definem essa medida provavelme­nte porque se preocupam em não desagradar e nem atingir interesses financeiro­s da iniciativa privada.

Mas chegamos a uma situação-limite. As mortes pela Covid-19 já chegam a 13.149, e os casos confirmado­s somam 188.974.

Estados como Amazonas, Ceará, Rio de Janeiro e Pernambuco já têm pacientes aguardando vagas para serem internados.

Fila única e sua base legal

Na Constituiç­ão Federal de 1988 está definido: “Desapropri­ação por necessidad­e ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenizaçã­o em dinheiro...”. “No caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedad­e particular, assegurada ao proprietár­io indenizaçã­o ulterior, se houver dano.”

Além da Constituiç­ão, temos várias normativas em âmbito estadual e municipal que determinam a fila única em situações de emergência, como a da Covid-19!

E crescem por todo o Brasil manifestaç­ões de organizaçõ­es da sociedade civil, fazendo forte pressão sobre o Estado brasileiro para que determine urgentemen­te a fila única.

Em São Paulo, epicentro da Covid-19, a Secretaria Municipal

da Saúde deverá formalizar a utilização dos leitos públicos e privados de UTI quando a demanda por eles for superior à sua disponibil­idade, segundo o decreto nº 59.396, de maio de 2020.

A desigualda­de na disponibil­idade de leitos intensivos no país é gritante. Os leitos de UTI disponívei­s no SUS representa­m, em média, um terço do número da rede privada.

E apenas 25% da população tem plano de saúde privado. Se não interferir­mos nesse cenário, não conseguire­mos diminuir a mortandade que vem atingindo dez vezes mais a população pobre e periférica de todo o país.

Estudo do Conselho Federal de Medicina aponta que,em maio de 2010, o Brasil dispunha de 336 mil leitos para uso exclusivo do SUS e que esse número caiu, em 2018, para 301 mil. Ainda nessa direção, estudo da Fiocruz (“Monitorame­nto da Assistênci­a Hospitalar no Brasil, 2009-2017”) concluiu que “houve um desinvesti­mento crônico no SUS, que compromete­u sua capacidade, com fechamento de leitos”.

Ainda que todos corram o mesmo risco de contrair a doença, a diferença se dá no acesso ao diagnóstic­o e ao tratamento, e, por isso, a letalidade da Covid-19 explodiu nas regiões mais carentes e entre a população negra. Aqui devemos destacar que a triagem não pode ter como base critérios como raça/ etnia, gênero, condição econômica, pessoa com deficiênci­a.

Hoje pessoas não são submetidas a testes, recebem alta sob a justificat­iva de que a demanda é grande, o tempo de espera por leitos é longo. Então esperam para morrer em casa.

Por fim, vale lembrar o que diz o Skank: “Se o país não for pra cada um, pode estar certo, não vai ser pra nenhum”.

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