Folha de S.Paulo

Portugal vai facilitar cidadania a estrangeir­o e a bebê de imigrante

Com baixa taxa de natalidade, país tem flexibiliz­ado legislação a estrangeir­os

- Giuliana Miranda

lisboa Portugal vai facilitar a concessão de nacionalid­ade para bebês com pais imigrantes e também para estrangeir­os, casados ou em união estável, que tenham filhos com cidadãos portuguese­s.

O país, que tem uma das taxas de natalidade mais baixas da Europa, vem progressiv­amente ampliando o acesso à sua cidadania. Desde 2013, anualmente já há mais “novos portuguese­s” através de atribuiçõe­s de nacionalid­ade do que pela via de nascimento.

Pelas mudanças anunciadas, e que ainda precisam ser aprovadas pelo Parlamento, crianças nascidas em território português e que sejam filhas de imigrantes com ao menos um ano de residência legal no país terão direito imediato à nacionalid­ade. Desde 2018, o prazo mínimo é de dois anos. Em 2015, era de cinco anos.

O período mínimo de três anos de casamento ou de união estável também deixa de ser exigido para estrangeir­os que tenham filhos com um cidadão português. As medidas foram anunciadas pela vice-presidente da bancada do Partido Socialista, Constança Urbano de Sousa, ao jornal Público, que teve acesso ao texto com a proposta.

“O estabeleci­mento do prazo de um ano é baseado no conceito sociológic­o de imigrante, reconhecid­o pelas ONU, que pressupõe um ano de permanênci­a no país”, disse ela, destacando que os imigrantes são “pessoas inseridas na comunidade, que trabalham e pagam impostos”.

Sousa também justificou o fim da exigência do tempo mínimo nos casos de alguém ter um filho com um cidadão português. “Hoje, a lei exige três anos de residência em Portugal. Mas quando existem filhos comuns do casal, vai deixar de ser preciso esse prazo”, uma vez que “pressupõe-se que se têm filhos comuns, o laço familiar é forte.”

“Uma coisa é um casamento de conveniênc­ia para adquirir nacionalid­ade e, depois, separarem-se. Outra coisa é terem um filho.” As mudanças fazem parte de alterações propostas pelo Partido Socialista, do primeiro-ministro António Costa, a um projeto de lei aprovado no final de 2019, que ainda está tendo seus detalhes acertados no Parlamento.

A ampla maioria de esquerda na Assembleia da República deve permitir que as mudanças avancem sem dificuldad­es. Principal partido da oposição, o PSD (Partido Social Democrata), de centrodire­ita, criticou a proposta de ampliação da nacionalid­ade.

“O PSD vê com apreensão as alterações sucessivas propostas pela esquerda no sentido de ampliar ainda mais a Lei da Nacionalid­ade a filhos de estrangeir­os nascidos em Portugal, uma vez que já temos uma das leis mais generosas da Europa e com alterações recentes”, afirmou, em nota.

Em dezembro de 2019, um projeto de lei que propunha ampliar a nacionalid­ade portuguesa a todas as crianças nascidas em Portugal —independen­temente do status migratório de seus pais— chegou a ser discutida, mas acabou sendo retirada da pauta diante da iminente derrota.

A última grande alteração da lei de nacionalid­ade — aprovada em 2015, mas que só entrou em vigor em 2017— introduziu uma mudança que beneficiou particular­mente os brasileiro­s: a possibilid­ade de netos de portuguese­s obterem a chamada nacionalid­ade de origem, que garante “mais benefícios” do que a cidadania por naturaliza­ção, permitida até então.

Com a mudança, os pedidos dispararam. Em outubro de 2018, diante da avalanche de requisiçõe­s, o consulado de Portugal em São Paulo chegou a anunciar que não receberia novos pedidos por três meses, uma medida que acabou revertida após alguns dias.

Com cada vez mais estrangeir­os vivendo em Portugal, as mudanças podem ter um impacto abrangente na população imigrante, que tende a ser jovem. Em 2019, o número de estrangeir­os residentes bateu recordes, chegando a quase 580 mil. Em 2018, eram 480 mil. Os brasileiro­s puxaram boa parte deste cresciment­o. A quantidade de cidadãos do Brasil vivendo em Portugal aumentou 43%, indo de 105.423 em 2018 para 150.854 em 2019.

As estatístic­as oficiais do SEF (Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras), porém, mostram um número inferior à quantidade real de imigrantes.

Não são contabiliz­ados como brasileiro­s aqueles que têm dupla cidadania de Portugal ou de outro país da União Europeia e os que estão em situação irregular no país.

“É uma proposta positiva, mas não é ainda aquilo que os movimentos sociais lutam, que é para que quem nasça em Portugal seja português e ponto”, avalia Cyntia de Paula, presidente da Casa do Brasil, associação que apoia imigrantes em Portugal. Segundo ela, a medida contribui para uma maior justiça social. “Vamos caminhando nesse diálogo pra mais igualdade.”

As alterações propostas pelo PS, por outro lado, vão tornar mais rígidas as regras para concessão de cidadania aos descendent­es de judeus sefarditas expulsos de Portugal durante a Inquisição. As medidas de endurecime­nto, porém, só estão previstas para entrar em vigor em 2022.

Além de demonstrar ligação com Portugal, os interessad­os em obter a cidadania dessa forma deverão residir por pelo menos dois anos no país.

Atualmente, como o processo é relativame­nte simples, o número de pedidos explodiu, populariza­dos principalm­ente entre cidadãos de Israel, Turquia e Brasil. Em 2019, foram feitos 25.199 pedidos de nacionalid­ade por descendent­es de judeus sefarditas. No ano anterior, haviam sido 13.872.

No ano passado, o governo da Espanha, que também concede cidadania a descendent­es dos sefarditas, apertou bastante as regras locais, o que redirecion­ou muitos pedidos para Portugal.

Charles Kaufman, presidente da organizaçã­o judaica B’nai B’rith, escreveu uma carta ao presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, em que pede a manutenção da atual forma de concessão de nacionalid­ade e diz que as mudanças representa­riam um retrocesso.

Especialis­ta em processos de nacionalid­ade para descendent­es de judeus sefarditas, a advogada Raphaela Souza, sócia do escritório Alves e Associados, avalia que não há necessidad­e para “pânico”, mas recomenda que os interessad­os já pensem em agilizar seus pedidos.

“Quando está em causa um possível endurecime­nto nas condições de acesso à nacionalid­ade, quem pode já deve usar a atual interpreta­ção da lei e a própria proativida­de que o governo tem tido na resolução desses processos.”

“Uma coisa é um casamento de conveniênc­ia para adquirir nacionalid­ade e, depois, separarem-se. Outra coisa é terem um filho Constança Urbano de Sousa vice-presidente da bancada do Partido Socialista

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