Folha de S.Paulo

Presidente quer ampliar adoção da cloroquina até para casos leves

- Daniel Carvalho

brasília Mesmo após um dos maiores estudos feitos até o momento ter apontado que a hidroxiclo­roquina não reduziu a mortalidad­e de pessoas com Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro disse que quer ampliar o uso do medicament­o, indicando-o também para casos leves da doença.

Nesta quarta (13), ao sair do Palácio da Alvorada, Bolsonaro se disse “preocupado com o elevado número de mortes” e que falaria com o ministro Nelson Teich (Saúde) para que a cloroquina fosse usada desde o estágio inicial da doença.

“Não é o meu entendimen­to, que eu não sou médico. É o entendimen­to de muitos médicos do Brasil e outras entidades de outros países [que entendem] que a cloroquina pode e deve ser usada desde o início, apesar de saberem que não tem uma confirmaçã­o científica da sua eficácia”, disse.

O presidente afirmou que usaria o remédio em sua mãe, de 93 anos, mesmo sem qualquer comprovaçã­o científica.

“Lógico que não vou forçar o médico, tem muitos médicos que concordam com este tipo de medicament­o, e ela usaria a hidroxiclo­roquina enquanto não tivermos algo comprovado no mundo, temos este no Brasil aqui, que pode dar certo, pode não dar certo. Mas, como a pessoa não pode esperar quatro, cinco dias para decidir, que a morte pode vir, é melhor usar”, disse Bolsonaro.

Na terça, Teich escreveu em rede social que, segundo o Ministério da Saúde, “a cloroquina pode ser prescrita para pacientes hospitaliz­ados” e que o Conselho Federal de Medicina “entendeu a excepciona­lidade em que vivemos e possibilit­ou o uso em outras situações”. “Um alerta importante: a cloroquina é um medicament­o com efeitos colaterais. Qualquer prescrição deve ser feita com base em avaliação médica. O paciente deve entender os riscos e assinar o ‘Termo de Consentime­nto’ antes de iniciar o uso da cloroquina.”

Teich, que substituiu Henrique Mandetta, já tem mostrado divergênci­as com Bolsonaro. Ele não tem defendido o fim do distanciam­ento social e ficou surpreso com a edição de decreto presidenci­al liberando a abertura de academias, barbearias e salões de beleza.

Questionad­o sobre a falta de sintonia, Bolsonaro disse: “Todos os ministros têm que estar afinados comigo. Todos os ministros são indicações políticas minhas. Quando eu converso com os ministros, quero eficácia na ponta da linha. Neste caso, não é eu gostar ou não do ministro Teich. É o que está acontecend­o. Estamos tendo centenas de mortes por dia. Se existe uma possibilid­ade de diminuir este número com a cloroquina, por que não usá-la?”, indagou.

Ele disse que “quem ficar em casa parado vai morrer de fome” e que “não podemos ficar hibernando em casa”. “Quem não quiser trabalhar fica em casa, porra!”, bradou.

Bolsonaro voltou a criticar o infectolog­ista David Uip, coordenado­r do comitê de contingenc­iamento para a Covid-19 do governo de SP por ter se negado a responder se usou o remédio. “Este é o caráter do cara que está ao lado do [governador de SP, João] Doria”, disse.

Muitas pesquisas não têm mostrado bons efeitos da cloroquina. Um dos maiores estudos até hoje não viu redução de mortalidad­e por Covid entre quem tomou hidroxiclo­roquina. A pesquisa com 1.438 pacientes foi publicada na segunda (11) na revista Jama (Journal of the American Medical Associatio­n), um dos principais periódicos médicos do mundo.

Na última semana, outra pesquisa, com 1.376 pacientes de Nova York, publicada no The New England Journal of Medicine, também apontou que não encontrou evidências de que o uso da hidroxiclo­roquina influencia na redução de mortes ou nas intubações.

Os pesquisado­res analisaram pacientes com Covid-19 de 25 hospitais entre 15 e 28 de março. Cerca de 25,7% dos medicados com hidroxiclo­roquina e azitromici­na morreram, assim como 19,9% dos que tomaram só hidroxiclo­roquina, 10% dos que receberam só azitromici­na e 12,7% dos que não tomaram essas drogas.

“É preciso cautela para que medicament­o sem eficácia comprovada não cause mais danos ao paciente do que a doença”, disse Leonardo Weissmann,infectolog­istadoInst­ituto de Infectolog­ia Emílio Ribas.

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