Folha de S.Paulo

Final feliz

- Roberto Dias roberto.dias@grupofolha.com.br

são paulo O personagem Jair Bolsonaro já não dá mais conta do enredo que o roteirista Jair Bolsonaro criou para sua vida.

Para contar essa história inacreditá­vel, é preciso agora recorrer ao Airton, ao Rafael e ao 05. Depois há o trabalho de convencer o espectador —e um ministro do STF— de que os três são mesmo pseudônimo­s.

Até a pandemia, a fórmula do roteiro vinha se segurando: era tirar da cartola alguma historinha lateral e emendar na anterior. Agora já não funciona. Bolsonaro tentou pautar uma discussão sobre aborto, mas só os espectador­es mais atentos de suas redes e alguns militantes do WhatsApp perceberam.

A caneta mágica do filho Carlos, fundamenta­l no caminho até o Planalto, tem menos tinta. A popularida­de nas redes dá sinais de queda. Bolsonaro já se repete no vexame de ser um raríssimo chefe de Estado com posts classifica­dos de fake news pelas plataforma­s. Em perfis onde antes se liam defesas do presidente, hoje se veem pedidos para que não abra a boca.

Até porque cada vez que o faz cria um novo alvo para as edições Tomahawk do Jornal Nacional, que justapõem as falas contraditó­rias de Bolsonaro em som e imagem claríssimo­s para um público imenso.

E o personagem se desmente sem ter tempo de trocar a gravata. O que ele fala na rampa do Planalto perde a validade minutos depois, na porta do Alvorada —foi assim quando tentou explicar a surpresa do ministro da Saúde com o decreto para reabrir academias e salões de beleza.

A reação imediata ao presidente é não acreditar. Sua versão sobre a tal reunião com os ministros muda a cada dia. A última tirada foi dizer que não vai ter mais reunião ministeria­l, e isso vale até a próxima reunião ministeria­l.

O personagem Bolsonaro e o roteirista Bolsonaro fracassara­m. O primeiro embutiu o descrédito como parte de si. O segundo parece sentir, finalmente, que o enredo fugiu de suas mãos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil