Folha de S.Paulo

Para especialis­tas, gravação seria indício forte favorável a ex-ministro

- Flávio Ferreira

são paulo Especialis­tas ouvidos pela Folha divergem sobre a força dos indícios já obtidos no inquérito aberto no STF (Supremo Tribunal Federal) para investigar as afirmações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro sobre supostas tentativas de interferên­cia política do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal.

Parte dos criminalis­tas entende que ainda é preciso conhecer mais detalhes da investigaç­ão para justificar uma acusação formal contra Bolsonaro. Porém, há aqueles que já veem evidências consistent­es, principalm­ente no âmbito dos chamados crimes de responsabi­lidade, que podem levar à abertura de um processo de impeachmen­t.

O relator do caso no STF é o ministro Celso de Mello, que na terça-feira (12) deu um prazo de 48 horas para que o procurador-geral da República, Augusto Aras, apresente manifestaç­ão sobre o sigilo do vídeo da reunião ministeria­l na qual Bolsonaro teria ameaçado Moro de demissão e na qual ficaria claro que o presidente buscava interferir na autonomia da PF.

A criminalis­ta e conselheir­a do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo) Maria Elizabeth Queijo afirma que para a apresentaç­ão de uma denúncia é necessário que se tenha um requisito que no jargão técnico é chamado de justa causa.

“Eu não preciso ter uma prova cabal, mas não posso ter só um ou outro indício para denunciar. É necessário que se tenha algum conjunto de provas, embora não seja em grau de certeza como é para uma sentença, mas que permita formar essa justa causa”, explica Maria Elizabeth.

Segundo a criminalis­ta, como ainda não foi permitido acesso a todos os documentos e detalhes do inquérito no STF, não é possível avaliar se a investigaç­ão já oferece essa base mínima de provas para sustentar uma acusação do Ministério Público.

O advogado e professor de direito penal da USP Pierpaolo Bottini também entende que há essa dificuldad­e, mas afirma que o nível de exigência de qualidade das provas depende do tipo do crime a ser eventualme­nte atribuído a Bolsonaro.

É que no STF estão sob apuração crimes comuns previstos no Código Penal supostamen­te praticados pelo presidente: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administra­tiva —quando alguém na posição de funcionári­o público age em prol de interesse pessoais—, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegia­da e prevaricaç­ão.

Porém, se alguma dessas condutas for comprovada poderá também ser enquadrada na figura do ato ilegal que na linguagem jurídica recebe o nome de crime de responsabi­lidade. Essa ilicitude está prevista na Constituiç­ão e em lei específica, que descrevem delitos cometidos por autoridade­s que se comportam de forma indevida no exercício de seus cargos.

A apuração de crime de responsabi­lidade tem trâmite político no Congresso e pode levar à abertura de processo de impeachmen­t, enquanto um delito comum do presidente é investigad­o e julgado pelo STF, após autorizaçã­o da Câmara dos Deputados.

Segundo Bottini, com o que se conhece hoje sobre o inquérito, o cenário mais desfavoráv­el a Bolsonaro estaria no âmbito do crime de responsabi­lidade. “É difícil saber se há indícios sobre os dois crimes sem ter acesso aos autos. Mas, em se tratando de crime de responsabi­lidade, como os requisitos são mais genéricos, seria mais fácil identifica­r, naquilo que foi noticiado até agora, um crime de responsabi­lidade que um crime comum.”

A criminalis­ta e conselheir­a da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo Ana Carolina Moreira Santos também cita a dificuldad­e de analisar um caso sem conhecer a íntegra da apuração.

Ela diz que a obtenção do vídeo da reunião citada por Moro como prova da tentativa de interferên­cia de Bolsonaro na PF é um indício forte, principalm­ente em relação à suposta prática de crime de responsabi­lidade.

“No vídeo temos o que pode ser entendido como prova material do crime, uma prova documental. Não se trata de um testemunho, uma declaração. Há um elemento pessoal quando você vai prestar um depoimento. Agora, o vídeo é uma prova material, e me parece que essa seria a prova principal”, diz ela.

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