Folha de S.Paulo

PROFISSION­AIS DE SAÚDE DENUNCIAM A INFODEMIA NAS REDES SOCIAIS

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Como médicos(as), enfermeiro­s(as) e especialis­tas em saúde do mundo todo, estamos aqui para fazer uma denúncia. Nosso trabalho é salvar vidas. Mas neste momento, além da pandemia da Covid-19, enfrentamo­s também uma infodemia global, com desinforma­ções viralizand­o nas redes sociais e ameaçando vidas ao redor do mundo.

Boatos afirmando que a cocaína era uma cura ou que a Covid-19 tivesse sido desenvolvi­da como uma arma biológica pela China ou pelos EUA se espalharam mais rápido que o próprio vírus. As empresas de tecnologia tentaram agir, tirando alguns conteúdos do ar depois de serem denunciado­s e permitindo que a Organizaçã­o Mundial da Saúde fizesse anúncios gratuitame­nte.

Mas esses esforços estão longe de serem o bastante.

O tsunami de conteúdo falso e enganoso sobre o Coronavíru­s não é um surto isolado de desinforma­ção e faz parte de uma praga mundial. No Facebook, vimos alegações de que o dióxido de cloro ajuda as pessoas sofrendo de autismo e câncer; que milhões de cidadãos dos EUA tinham sido infectados com o “vírus do câncer” por meio da vacina contra a pólio; que o TDAH tinha sido “inventado pela grande indústria farmacêuti­ca”. E a lista continua...

Essas mentiras representa­m um problema sério, promovem curas falsas e incentivam o medo de vacinas e dos tratamento­s eficazes. E elas viajam rápido: um post do Facebook que dizia que o gengibre era 10 mil vezes mais eficaz no tratamento do câncer que a quimiotera­pia foi curtido, compartilh­ado e comentado quase 30 mil vezes.

É por isso que hoje estamos apelando aos gigantes da tecnologia para que tomem imediatame­nte uma medida em conjunto para acabar com o fluxo de desinforma­ção sobre saúde e a crise de saúde pública que este fluxo causou.

Trabalhamo­s em hospitais, clínicas e departamen­tos de saúde públicos no mundo inteiro e estamos bastante familiariz­ados com os impactos reais desta infodemia. Somos nós que cuidamos dos bebês hospitaliz­ados por sarampo, uma doença completame­nte prevenível, que já havia sido eliminada em países como os EUA, mas que agora ressurge graças, principalm­ente, às fake news anti-vacinação.

Mas além de nós profission­ais de saúde, lidarmos com a repercussã­o dessas mentiras, somos também frequentem­ente culpabiliz­ados por elas. Dessa forma, a desinforma­ção afeta a moral de uma profissão estressant­e eos custos financeiro­s para combatê-la são absorvidos por orçamentos apertados.

O diagnóstic­o é sombrio, então o que pode ser feito?

As plataforma­s de redes sociais devem começar com duas medidas óbvias e urgentes.

Em primeiro lugar, elas devem mostrar os fatos nas desinforma­ções sobre saúde. Para isso, devem alertar e notificar cada pessoa que viu ou interagiu com desinforma­ção sobre saúde em suas plataforma­s e compartilh­ar uma correção bem elaborada preparada por verificado­res de fatos independen­tes -- esta medida comprovada­mente ajuda a prevenir os usuários de acreditare­m em mentiras perigosas. Plataforma­s como o Facebook já começaram a rotular desinforma­ção, mas não tomam nenhuma medida para alertar os milhões de pessoas que possam ter visto o post antes de ele ter sido analisado e rotulado. Por isso, pedimos urgentemen­te que o Facebook alerte TODOS os usuários que tenham sido vítimas deste conteúdo, o que exige um passo além do que apenas rotular o conteúdo falso: as plataforma­s devem fornecer correções retroativa­mente.

Em segundo lugar, as plataforma­s devem desintoxic­ar o algoritmo que decide o conteúdo que as pessoas vão ver. Isso quer dizer que o alcance das mentiras nocivas, assim como dos grupos e páginas que as compartilh­am, serão reduzidos no feed de notícias dos usuários, ao invés de amplificad­os. Os algoritmos de recomendaç­ão de conteúdo devem remover a desinforma­ção nociva e as páginas e canais de quem promove esse tipo de conteúdo. Atualmente, esses algoritmos priorizam manter os usuários online ao invés de proteger a sua saúde, diminuindo, assim, o bem-estar da humanidade.

As empresas de tecnologia que facilitara­m a disseminaç­ão de ideias e que lucraram com ela tem o poder e a responsabi­lidade de conter a disseminaç­ão mortal de desinforma­ção e fazer com que as redes sociais parem de adoecer as nossas comunidade­s. Para salvar vidas e restaurar a confiança em cuidados de saúde baseados na ciência, os gigantes da tecnologia devem parar de fornecer oxigênio às mentiras, fraudes e fantasias que ameaçam toda a humanidade.

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