Folha de S.Paulo

‘No jogo da desescalad­a, cada comunidade tenta avançar de fase’

- Susana Bragatto

barcelona Dia #61 – Quarta, 13 de maio. Cena: Dizem que o Gil esteve em Formentera nos anos 1960, e que daí e do exílio europeu saiu a lindeuza “Ladeira da Preguiça”, a pedido de Elis.

A médica colombiana fala comigo com uma voz doce e pausada. “Uma cicatriz pode demorar até dez anos pra se estabiliza­r”, está me explicando, com genuína boa vontade. Enquanto besunta meu peito (operado de um câncer de mama) de gel e passa a maquininha do ultrassom.

Ela, cujo rosto talvez eu nunca venha a conhecer (quer dizer, mais do que ozoinho sobre a máscara), comenta que tem um amigo de “Minas de Rrrerais”, mas que meu sotaque é diferente, “parece de filme”.

Ah, o domínio sotaquísti­co paulistano. Eu às vezes gostaria de me ouvir falando sem nunca ter me ouvido falar pra ver como eu falo em espanhol. Entiendes.

Nesta quarta-feira (13) os governos regionais começaram a entregar ao Ministério da Saúde seus relatórios sobre o status epidemioló­gico dos território­s.

Explicando: como um exame sanitário, toda semana até o fim do desconfina­mento (previsto para o final do mês de junho) cada comunidade autônoma tem que apresentar dados e argumentos que justifique­m seu avanço ou não no jogo de quatro etapas da desescalad­a. Cada etapa pode se prolongar por até duas semanas.

Atualmente, apenas 50% do país se encontra na fase 1, contra outra metade ainda na fase zero —incluindo Barcelona e Madri, as principais cidades atingidas pelo vírus.

No caso da Catalunha, a segunda comunidade com maior concentraç­ão de contágios e mortos do país, o relatório que será entregue até o fim desta semana solicitará que três novas áreas sanitárias entrem na fase 1 a partir da próxima segunda-feira.

Com isso, passariam a ser no total cinco áreas em fase 1, faltando outras quatro.

As áreas sanitárias são definidas pelo Departamen­to de Saúde catalão e não seguem necessaria­mente as fronteiras geopolític­as.

Barcelona e sua zona metropolit­ana, que acumulam quase 70% dos casos e 75% das mortes por coronavíru­s de toda a Catalunha, seguirão na fase zero por mais alguns dias.

Entre outros motivos, a incidência de casos acumulados na última quinzena ainda requer atenção —é a segunda maior taxa da Espanha, com mais de 50 casos por 100 mil habitantes, atrás apenas de Castilla y León.

É possível que alguns pouquíssim­os território­s espanhóis possam passar diretament­e à fase 2 na semana que vem. É o caso da bela ilha de Formentera, a menor das ilhas baleares, que desde semana passada já desfruta a fase 1.

Isso significa terraços de bares abertos (com 50% de ocupação), comércio sem hora marcada (com 30% da capacidade máxima) e reabertura de “lugares de culto” (onde podem se reunir até 15 pessoas —o que inclui rituais como funerais, que durante a quarentena sofreram muitas restrições).

Pra mim, que vivo aqui na Barcelona Zona Zero, o mais desejado é poder encontrar os amigos novamente. Como já se pode fazer lá na ilha, em grupos de até dez pessoas, embora (diz a norma) sem abraços. Ainda. “Formentera é uma ilha / onde se chega de barco, mãeeee...”

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