Folha de S.Paulo

Trump arrisca combate por eleição

Assustado com as pesquisas, presidente oferece aos americanos um pacto de morte

- Lúcia Guimarães É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspond­ente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo | dom. Sylvia Colombo | seg. Mathias Alencastro | qui. Lúcia Guimarães

Declarar sucesso, questionar o número de mortes e reabrir a economia de olho na reeleição em novembro. O plano de Donald Trump para os próximos seis meses não inclui uma estratégia nacional de testes em massa ou um rastreamen­to de contatos dos indivíduos contaminad­os. Trump conta com estados governados por republican­os, como Texas e Geórgia, para reiniciar atividades e torce para não haver uma segunda onda de contaminaç­ão.

A Covid-19 já matou mais de 83 mil pessoas nos Estados Unidos. A politizaçã­o da pandemia do coronavíru­s começou em janeiro, com o presidente ignorando alertas de assessores, e continuou com ofuscação, promessas não cumpridas e uma rotina diária de comunicaçã­o com valores de reality show.

Agora, assustado com as pesquisas e a possibilid­ade de recaptura do Senado pelos democratas, Trump oferece aos americanos um pacto de morte: vale a pena pagar com milhares de vidas pela reabertura da economia.

No front psicológic­o, o plano é usar a mídia de direita para jogar dúvida sobre estatístic­as de contaminaç­ão e mortes, algo que já conta com apoio do canal de TV a cabo mais assistido do país, a Fox News.

Na semana passada, a Casa Branca vetou a divulgação de um relatório de 17 páginas para orientar os estados sobre a reabertura da economia, elaborado pelo CDC (Centro de Controle de Doenças), a principal agência federal envolvida no combate à Covid-19.

Entre as táticas para esquentar a economia e forçar trabalhado­res a voltar a fábricas sem acesso a testes e garantias contra contaminaç­ão estariam ordens executivas do presidente. Um exemplo aconteceu no dia 1º de maio, quando Trump proibiu a importação de certos componente­s elétricos de países considerad­os “adversário­s estrangeir­os.”

Outro exemplo citado por fontes ligadas ao governo seria declarar novos prazos de expiração de manufatura­dos, como proibir a circulação de plataforma­s de caminhões com mais de dez anos nas estradas federais para forçar a compra de equipament­os.

Comentaris­tas políticos liberais têm dito que o cálculo cínico da campanha é esperar que o coronavíru­s mate mais eleitores democratas vulnerávei­s como negros e latinos, dois grupos que têm pesada participaç­ão em atividades considerad­as essenciais como entregas de comida e compras online, além de transporte­s públicos.

O cálculo eleitoral da campanha de Trump, além de demonstrar niilismo homicida, é arriscado. Pesquisas de opinião mostram que os idosos defendem a proteção da pandemia como prioridade sobre atividades econômicas.

A morte de eleitores republican­os de mais de 65 anos poderia mudar o perfil demográfic­o eleitoral em estados cruciais para a vitória de Trump. A previsão foi feita por pesquisado­res num estudo que saiu em abril na publicação Administra­tive Theory & Praxis, com base nos registros públicos de contaminaç­ão fatal.

Só na Pensilvâni­a, os pesquisado­res previram que morreriam 13 mil mais eleitores republican­os do que democratas. Os apoiadores do presidente em regiões economicam­ente deprimidas como a Virgínia Ocidental e o Alabama tendem a ser mais velhos, obesos e fumantes.

Assessores dizem que Trump não usa máscara em público porque teme parecer ridículo. Na sexta-feira (8), executivos da indústria de alimentos esperavam o vice-presidente Mike Pence para uma mesa redonda em Des Moines, em Iowa. Pouco antes da chegada de Pence, uma funcionári­a entrou na sala e pediu a todos os presentes que tirassem as máscaras. Foi obedecida.

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