Folha de S.Paulo

Candidato de Evo acusa Añez de adiar eleições para desgastar concorrent­es

Luis Arce defende realizar pleito, apesar dos riscos relacionad­os à pandemia do novo coronavíru­s

- Sylvia Colombo

buenos aires “Estou preso em casa, enquanto Jeanine Añez faz campanha, inaugurand­o obras o dia inteiro, para uma eleição que não sabemos quando nem como vai acontecer.” Luis Arce, 56, conhecido pela calma e pelo tom de voz sempre amistoso, desta vez soa irritado em entrevista à Folha, por telefone.

Ex-ministro da economia da gestão de Evo Morales, entre 2006 e 2017, Arce é o candidato do MAS (Movimento ao Socialismo) para a eleição presidenci­al da Bolívia que estava marcada para 3 de maio, mas foi suspensa por causa da pandemia do coronavíru­s.

Esperava-se que a eleição colocasse fim à série de tensões, ataques violentos e instabilid­ade política que ocorreram depois de divulgado o resultado da votação de outubro, que deu a vitória a Evo.

Contestado pela oposição e por organismos internacio­nais, o resultado foi cancelado. Na sequência, Evo renunciou e partiu para o exílio. A então vice-presidente do Senado, Jeanine Añez, numa manobra polêmica, assumiu o poder, com a missão de recompor o tribunal eleitoral e convocar eleições. Ela o fez, mas, diferentem­ente do que disse ao assumir, resolveu disputar o pleito também.

“Estamos numa ditadura, há perseguiçã­o a colegas do partido, sou vigiado o dia todo. O Exército está nas ruas para fazer cumprir as regras da quarentena. Nem eu nem todos os outros candidatos podemos sair de casa para atos ou entrevista­s na TV”, diz Arce.

Segundo pesquisa divulgada antes da epidemia, do instituto Ciesmori, haveria um segundo turno no país. Arce (esquerda) surge como favorito, com 33,3% dos votos, seguido de Carlos Mesa (centro-esquerda), com 18,3%, e da própria Añez (direita), com 16,9%.

Inicialmen­te, o Executivo havia proposto que a nova eleição ocorresse em outubro. O Parlamento, onde o MAS tem maioria, conseguiu aprovar que ocorra até a primeira semana de agosto. Agora, o tribunal eleitoral tem a palavra final, e ainda não se pronunciou de forma definitiva.

“Tememos seriamente que Añez pressione o tribunal, que foi formado por ela, para adiar as eleições até o ano que vem, que é o desejo dela, para que dê tempo de desgastar ainda mais a nossa candidatur­a.”

Arce também acusou Añez de estar avançando sobre os veículos de comunicaçã­o, controland­o a verba publicitár­ia em troca de apoio.

Na segunda-feira (11), a presidente interina aprovou um decreto que sanciona a “desinforma­ção como delito contra a saúde pública”, ou seja, quem publicar reportagen­s ou conteúdos sobre o novo coronavíru­s que o governo considere fake news pode pegar de um a cinco anos de prisão.

“Esse tipo de intimidaçã­o da imprensa, da liberdade de expressão está sendo feita assim, de forma indireta, como se no fundo importasse a saúde das pessoas, mas é uma maneira de inibir críticas à forma como o governo tem lidado com a pandemia.”

Segundo dados oficiais, a Bolívia tem 2.556 casos e 118 mortos. A oposição aponta que há poucos testes feitos e que as cifras devem ser maiores.

O próprio governo admitiu que o número de casos está aumentando. No domingo (10), o chefe de epidemiolo­gia do Ministério da Saúde, Virgilio Prieto, chamou a atenção para a escalada de casos, especialme­nte em comunidade­s pobres, como em El Alto, na região metropolit­ana de La Paz.

Para Prieto, a Bolívia pode chegar aos 4.000 infectados ainda nesta semana. Na segunda, um preso morreu de coronavíru­s e causou um motim na penitenciá­ria de Palmasola, em Santa Cruz de la Sierra.

“A administra­ção da pandemia aqui está muito mal-feita. Santa Cruz está cheia de casos não registrado­s, e isso muito por conta da proximidad­e com a fronteira com o Brasil, que continua sem ser controlada”, afirma Arce.

Com cerca de 70% de sua população na informalid­ade, Jeanine Añez lançou programas de assistênci­a a comunidade­s mais carentes. Mas vem sendo criticada pela oposição. “Há filas enormes para retirar um benefício que não chega a US$ 10 [R$ 59], e que não chega até a informalid­ade mais baixa, que são as pessoas que não pagam impostos ou que não estão inscritas em outros planos do governo.”

Apesar da pandemia, o MAS defende que as eleições ocorram o mais rápido possível. “Sabemos que é arriscado, mas mais arriscado é atravessar a pandemia com um governo ilegítimo, que está manejando mal a crise de saúde e também decidindo coisas que não lhe competem”, diz.

O candidato do MAS dá como exemplo a renegociaç­ão dos contratos de exportação de gás ao Brasil e o que fazer com o lítio, outro produto de exportação da Bolívia.

Segundo ele, Añez não está cumprindo sua função como interina, que era convocar eleições. “Ela está dando sinais de que quer continuar no poder.”

Arce diz que, se eleito, sua prioridade será garantir a segurança alimentar e apresentar um programa de intervençã­o do Estado na economia de médio a longo prazo.

“Como vínhamos fazendo, e com sucesso, quando Morales era presidente”, afirma. “Será preciso pedir dinheiro emprestado, a diferença é que usaríamos o dinheiro emprestado neste projeto. Añez já pediu US$ 11 milhões no total, e não se vê onde está gastando.”

Sobre uma possível relação dele como presidente com Bolsonaro, Arce diz que seria “pragmática, de vizinhos, porque ideologica­mente estamos em campos muito opostos”.

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Ronaldo Schemidt - 27.jan.20/AFP Luis Arce e Evo Morales durante entrevista coletiva em Buenos Aires

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