Folha de S.Paulo

Coronavíru­s altera consumo, e economia desaba em março

Com apenas 15 dias de pandemia, março tem a pior queda do comércio em 17 anos

- Nicola Pamplona

rio de janeiro As vendas do comércio tiveram o pior desempenho para um mês de março desde 2003. O setor de serviços teve queda recorde. O recuo da produção industrial só não foi maior do que o período da greve dos caminhonei­ros de 2018.

Os indicadore­s divulgados nas últimas semanas pelo IBGE confirmam que, em apenas duas semanas de março, a pandemia do novo coronavíru­s teve fortes impactos sobre a atividade econômica.

O mercado espera que abril traga números ainda piores, com o agravante de que os efeitos no emprego devem ser maiores, afetando a renda da população e, assim, o ritmo de retomada econômica após a pandemia.

Nesta quarta (12), o IBGE divulgou o resultado das vendas do comércio durante o mês. O recuo de 2,5% foi o maior dos últimos 17 anos. Consideran­do o chamado “varejo ampliado”, que inclui vendas de automóveis, a queda chegou a 13,7%.

Os números do varejo reforçam um cenário já percebido nos dados da indústria, que recuou 9,1% em março, e foram piores até do que durante as duas semanas da greve dos caminheiro­s, em maio de 2018. Naquela ocasião, ao contrário de agora, comércio e serviços para as famílias continuara­m funcionand­o normalment­e.

Agora, em março, os serviços caíram 6,9% por causa da suspensão de shows, cinemas, restaurant­es e voos, entre outros.

O brasileiro deixou de lado bens duráveis, como eletrodomé­sticos e roupas, para gastar seu dinheiro com essenciais, como comida, remédios e produtos de limpeza.

As vendas dos supermerca­dos cresceram 14,6%, alta recorde, chegando ao maior patamar da série histórica, iniciada em 2000. A procura por produtos de produtos farmacêuti­cos e de higiene subiu 1,3% e estão a 0,1% do maior patamar, atingido em novembro de 2019.

Por outro lado, as vendas de roupas (-42,2%), livros, jornais, revistas e papelaria (-36,1%) e móveis e eletrodomé­sticos (-25,9%) tiveram os maiores recuos da série histórica do IBGE. Com as pessoas em casa, combustíve­is também tiveram queda recorde (-12,5%).

Livros, jornais e revistas estão 72,3% abaixo do recorde, de outubro de 2013. Já os segmentos de automóveis e tecidos venderam em março cerca de metade do volume atingido nos melhores momentos, em junho de 2012 e abril de 2013, respectiva­mente.

Na divulgação dos números, o gerente do IBGE Cristiano Santos reforçou o que seus colegas já haviam dito nas divulgaçõe­s dos indicadore­s anteriores: o resultado “foi bastante impactado” pelas medidas de distanciam­ento social.

Economista­s ouvidos pela Folha veem também a adoção de um padrão de consumo em períodos de crise, que tende a perdurar. “Para comprar bens duráveis, as pessoas vão ter que fazer crediário. E, numa situação de incerteza como essa, não vão fazer”, diz Cláudio Considera, do Ibre/FGV.

O aumento do desemprego e a queda na renda com suspensão de contratos e redução de jornada já impactaram a confiança do consumidor, que caiu 7,6 pontos em março, para o pior nível desde janeiro de 2017, segundo a FGV.

Com vendas em queda, as indústrias têxtil, de calçados, veículos e móveis estiveram entre as que mais cortaram a produção em março. No setor de serviços, aqueles voltados às famílias, como restaurant­es, hotéis e cabeleirei­ros foram os mais afetados.

Embora o IBGE evite projeções, o mercado vê um abril pior, consideran­do que foi um mês inteiro de isolamento e que a corrida aos supermerca­dos antes das restrições, que ajudou a segurar a queda do comércio e da indústria de alimentos, não deve se repetir.

“A esperada severa contração na renda de diversas famílias deve ser o componente principal dessa equação, afetando o consumo como um todo, inclusive as vendas em supermerca­dos”, acrescenta­m os economista­s José Francisco de Lima Gonçalves e Mariana Major de Almeida, do Banco Fator.

A taxa de desemprego avançou para 12,2% no primeiro trimestre encerrado em março, com 1,2 milhão de brasileiro­s a mais em busca de um trabalho. As atividades com maior recuo foram construção, alojamento e alimentaçã­o e outros serviços, além de serviços domésticos.

A economista Margarida Gutierrez, da Coppead/UFRJ, destaca que, além de pegar apenas 15 dias de pandemia, a expansão da taxa foi suavizada pelo fato de que muita gente deixou de procurar trabalho após o início das medidas de isolamento.

Além disso, muitos segmentos industriai­s optaram por férias coletivas ou medidas emergencia­is, como suspensão de contratos ou empréstimo para financiar a folha antes de optar por demissões. “Vai ter uma hora que, se não começar a recuperar [as vendas], o cara vai demitir”, diz a economista da Coppead/UFRJ.

Um dos mais afetados pelo fechamento do comércio, o setor calçadista, por exemplo, fechou 31 mil postos de trabalho desde o início da pandemia, 5.000 deles apenas em maio. Segundo a Abicalçado­s (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), 70% das empresas do setor informaram ter feito demissões.

“Infelizmen­te, muitas fábricas estão sem novos pedidos, ou mesmo com cancelamen­tos, pois o lojista não está vendendo”, diz o presidente da entidade, Haroldo Ferreira. “Sem ter o que produzir, é impossível segurar mão de obra.”

Defensora de uma reabertura gradual do comércio, a Abicalçado­s é parte do grupo empresaria­l levado pelo presidente Jair Bolsonaro a visita surpresa ao presidente do STF, Dias Tóffoli, na semana passada, para questionar medidas de isolamento social.

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