Coronavírus altera consumo, e economia desaba em março
Com apenas 15 dias de pandemia, março tem a pior queda do comércio em 17 anos
rio de janeiro As vendas do comércio tiveram o pior desempenho para um mês de março desde 2003. O setor de serviços teve queda recorde. O recuo da produção industrial só não foi maior do que o período da greve dos caminhoneiros de 2018.
Os indicadores divulgados nas últimas semanas pelo IBGE confirmam que, em apenas duas semanas de março, a pandemia do novo coronavírus teve fortes impactos sobre a atividade econômica.
O mercado espera que abril traga números ainda piores, com o agravante de que os efeitos no emprego devem ser maiores, afetando a renda da população e, assim, o ritmo de retomada econômica após a pandemia.
Nesta quarta (12), o IBGE divulgou o resultado das vendas do comércio durante o mês. O recuo de 2,5% foi o maior dos últimos 17 anos. Considerando o chamado “varejo ampliado”, que inclui vendas de automóveis, a queda chegou a 13,7%.
Os números do varejo reforçam um cenário já percebido nos dados da indústria, que recuou 9,1% em março, e foram piores até do que durante as duas semanas da greve dos caminheiros, em maio de 2018. Naquela ocasião, ao contrário de agora, comércio e serviços para as famílias continuaram funcionando normalmente.
Agora, em março, os serviços caíram 6,9% por causa da suspensão de shows, cinemas, restaurantes e voos, entre outros.
O brasileiro deixou de lado bens duráveis, como eletrodomésticos e roupas, para gastar seu dinheiro com essenciais, como comida, remédios e produtos de limpeza.
As vendas dos supermercados cresceram 14,6%, alta recorde, chegando ao maior patamar da série histórica, iniciada em 2000. A procura por produtos de produtos farmacêuticos e de higiene subiu 1,3% e estão a 0,1% do maior patamar, atingido em novembro de 2019.
Por outro lado, as vendas de roupas (-42,2%), livros, jornais, revistas e papelaria (-36,1%) e móveis e eletrodomésticos (-25,9%) tiveram os maiores recuos da série histórica do IBGE. Com as pessoas em casa, combustíveis também tiveram queda recorde (-12,5%).
Livros, jornais e revistas estão 72,3% abaixo do recorde, de outubro de 2013. Já os segmentos de automóveis e tecidos venderam em março cerca de metade do volume atingido nos melhores momentos, em junho de 2012 e abril de 2013, respectivamente.
Na divulgação dos números, o gerente do IBGE Cristiano Santos reforçou o que seus colegas já haviam dito nas divulgações dos indicadores anteriores: o resultado “foi bastante impactado” pelas medidas de distanciamento social.
Economistas ouvidos pela Folha veem também a adoção de um padrão de consumo em períodos de crise, que tende a perdurar. “Para comprar bens duráveis, as pessoas vão ter que fazer crediário. E, numa situação de incerteza como essa, não vão fazer”, diz Cláudio Considera, do Ibre/FGV.
O aumento do desemprego e a queda na renda com suspensão de contratos e redução de jornada já impactaram a confiança do consumidor, que caiu 7,6 pontos em março, para o pior nível desde janeiro de 2017, segundo a FGV.
Com vendas em queda, as indústrias têxtil, de calçados, veículos e móveis estiveram entre as que mais cortaram a produção em março. No setor de serviços, aqueles voltados às famílias, como restaurantes, hotéis e cabeleireiros foram os mais afetados.
Embora o IBGE evite projeções, o mercado vê um abril pior, considerando que foi um mês inteiro de isolamento e que a corrida aos supermercados antes das restrições, que ajudou a segurar a queda do comércio e da indústria de alimentos, não deve se repetir.
“A esperada severa contração na renda de diversas famílias deve ser o componente principal dessa equação, afetando o consumo como um todo, inclusive as vendas em supermercados”, acrescentam os economistas José Francisco de Lima Gonçalves e Mariana Major de Almeida, do Banco Fator.
A taxa de desemprego avançou para 12,2% no primeiro trimestre encerrado em março, com 1,2 milhão de brasileiros a mais em busca de um trabalho. As atividades com maior recuo foram construção, alojamento e alimentação e outros serviços, além de serviços domésticos.
A economista Margarida Gutierrez, da Coppead/UFRJ, destaca que, além de pegar apenas 15 dias de pandemia, a expansão da taxa foi suavizada pelo fato de que muita gente deixou de procurar trabalho após o início das medidas de isolamento.
Além disso, muitos segmentos industriais optaram por férias coletivas ou medidas emergenciais, como suspensão de contratos ou empréstimo para financiar a folha antes de optar por demissões. “Vai ter uma hora que, se não começar a recuperar [as vendas], o cara vai demitir”, diz a economista da Coppead/UFRJ.
Um dos mais afetados pelo fechamento do comércio, o setor calçadista, por exemplo, fechou 31 mil postos de trabalho desde o início da pandemia, 5.000 deles apenas em maio. Segundo a Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), 70% das empresas do setor informaram ter feito demissões.
“Infelizmente, muitas fábricas estão sem novos pedidos, ou mesmo com cancelamentos, pois o lojista não está vendendo”, diz o presidente da entidade, Haroldo Ferreira. “Sem ter o que produzir, é impossível segurar mão de obra.”
Defensora de uma reabertura gradual do comércio, a Abicalçados é parte do grupo empresarial levado pelo presidente Jair Bolsonaro a visita surpresa ao presidente do STF, Dias Tóffoli, na semana passada, para questionar medidas de isolamento social.