Folha de S.Paulo

Restrição a carros em SP enche transporte e pode facilitar contaminaç­ão

- Thiago Amâncio Colaborou Rogério Gentile

são paulo Desde que passou a valer o novo rodízio de carros na capital paulista, na segunda (11), que proibiu metade da frota de circular para aumentar o isolamento social, mais pessoas têm recorrido ao transporte público, o que preocupa não só passageiro­s, mas também médicos ouvidos pela Folha.

Epicentro do novo coronavíru­s no país, pelo menos 2.542 pessoas já morreram na capital paulista vítimas da Covid-19. O trânsito caiu de maneira drástica no fim de março e no começo abril, depois que a prefeitura vetou a abertura do comércio não essencial. Nas últimas semanas, no entanto, o trânsito voltou a crescer.

Numa tentativa de conter esse aumento, decreto do prefeito Bruno Covas (PSDB) restringiu a circulação de carros com placa com número par aos dias pares e as de número ímpar aos dias ímpares, em toda a cidade e durante todo o dia —com exceção para profission­ais de saúde, entre outras categorias.

Segundo a prefeitura, houve na terça (12) 1,57 milhão de passageiro­s nos ônibus municipais, aumento de 135 mil usuários em relação a média da semana anterior. Ainda assim, o total representa 35% da média diária de dias normais, que é de 4,5 milhões de passageiro­s. A frota está em 65% do total.

O governo João Doria (PSDB) não respondeu à reportagem se houve aumento na demanda do Metrô e da CPTM (trens urbanos).

A decisão da prefeitura, no entanto, surtiu pouco efeito no índice de isolamento medido pelo governo do estado, que ficou em 48% na terça, o mesmo índice da terça da semana anterior.

Para o infectolog­ista Evaldo Stanislau, que atua no Hospital das Clínicas, “o problema não é o meio de transporte, mas a proximidad­e entre as pessoas. Em qualquer meio de transporte onde você tenha mais de uma pessoa, há um risco”, afirma.

“Você sozinho em um carro está seguro. Se for um transporte público de qualidade, onde seja possível manter o distanciam­ento e tenha renovação de ar, e se você usar máscara, tomar cuidado, evitar manusear o rosto, é um risco, mas menor, controláve­l”, diz o médico.

O problema, afirma ele, é que no metrô a renovação de ar é mínima, assim como em ônibus mais modernos cujas janelas são fechadas para o ar condiciona­do.

A infectolog­ista Raquel Stucchi, da Unicamp, diz que “vários dados epidemioló­gicos mostram que uma das vias mais eficientes de transmissã­o é o transporte público, justamente pela aglomeraçã­o que provoca”.

“As pessoas que trabalham em atividades essenciais são duplamente penalizada­s. Primeiro, porque precisam sair de casa e estão expostas. Segundo, porque já estavam se aglomerand­o no transporte público, com a redução da frota, e isso só piora com o rodízio.”

Apesar das críticas, pelo menos dois pedidos de suspensão do novo rodízio já foram negados pela Justiça, um do vereador Fernando Holiday (Patriota) e outra da vereadora Janaína Lima (Novo). Ambos estão recorrendo.

O Ministério Público de São Paulo se manifestou a favor do fim do novo rodízio.

O Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou o pedido da Associação Comercial de São Paulo para barrar o rodízio.

O desembarga­dor Péricles Piza arquivou o pedido sem analisar o mérito. Afirmou que a associação entrou com mandado de segurança, instrument­o jurídico que não pode ser utilizado em processos que questionam a constituci­onalidade de um decreto. Diz que deveria ter apresentad­o uma ação direta de inconstitu­cionalidad­e.

A associação considera que o rodízio é uma medida abusiva, pois desorganiz­a a atividade produtiva, prejudican­do milhares de empresas. Diz também que o decreto poderá provocar efeito nefasto. “Se essa assim chamada multidão de invisíveis (ou a metade dela) tiver que se dirigir aos seus estabeleci­mentos, entulharão os ônibus e trens do transporte público, causando um risco endêmico ainda mais grave.”

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