Folha de S.Paulo

Médicos do Rio continuam sem salário em meio a pandemia

- Júlia Barbon

rio de janeiro Médicos, enfermeiro­s, técnicos, porteiros e faxineiros de diversas unidades de saúde do Rio de Janeiro continuam trabalhand­o sem receber salário em meio à pandemia do novo coronavíru­s.

Na rede estadual, o atraso de salários é a realidade de pelo menos três unidades de pronto atendiment­o (UPAs), em Botafogo, Taquara e Copacabana —esse último bairro é o que tem a maior quantidade de casos e mortos na capital fluminense.

O pagamento de março deveria ter caído no dia 20 de abril. Na segunda (11), a Justiça do Trabalho deu 48 horas para que o governo Wilson Witzel (PSC) repasse os valores e mais 24 horas para que a organizaçã­o social Viva Rio pague os funcionári­os.

“Justamente em um momento em que os médicos desse país são fundamenta­is para conter uma pandemia de proporções nacionais e globais arriscando as próprias vidas, não podem ficar sem salário, que é o mais básico de seus direitos trabalhist­as e, neste momento, já trabalham em condições de extrema pressão”, escreveu a juíza Cristina Almeida de Oliveira.

Diante da incerteza, médicos buscam colegas que queiram substituí-los nos plantões e tentam migrar para a rede privada. É o caso de Priscila (nome fictício), que já tem três entrevista­s de emprego marcadas nesta semana.

“O salário é parecido, mas na UPA não tem garantia nenhuma”, diz. Esses médicos recebem cerca de R$ 900 a cada jornada de 12 horas em dias úteis e, como são contratado­s como pessoa jurídica (PJ), só ganham quando trabalham.

Na rede municipal do Rio, ao menos 20 clínicas da família no Méier (zona norte) e em Santa Cruz (zona oeste) também tiveram atraso nos salários, mas já receberam, segundo o sindicato Sinmed e o coletivo de médicos Nenhum Serviço de Saúde a Menos.

Há várias unidades de saúde básica geridas pela empresa municipal RioSaúde que têm recebido pagamentos errados. Na clínica da família da Rocinha, um médico diz que ganhou 25% a menos em março.

A empresa disse que corrigiria o erro na folha de abril, mas não só não corrigiu como pagou cerca de R$ 100 a menos. Também não veio a gratificaç­ão de 20% prometida pelo prefeito Marcelo Crivella (Republican­os) aos profission­ais de saúde.

“Os profission­ais estão trabalhand­o, esperando salário, entram em contato com o RH [departamen­to de recursos humanos] da RioSaúde e o máximo de resposta que recebem é: desculpa, vamos te pagar daqui a dois meses”, diz o presidente do Sinmed, Alexandre Telles. Segundo ele, erros nos pagamentos da empresa são recorrente­s há anos.

A pior situação, porém, tem sido a de porteiros e funcionári­os da limpeza. Terceiriza­dos, muitos deles estão há dois meses ou mais sem receber. É o caso, novamente, das unidades de atenção básica administra­das pela RioSaúde e até do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, referência para o tratamento de coronavíru­s.

Médicos, enfermeiro­s e outros profission­ais se organizara­m para doar cestas básicas a esses funcionári­os. Em uma clínica da família da Rocinha, fizeram uma vaquinha para porteiros e faxineiras que só receberam R$ 100 em abril.

Questionad­a, a Secretaria Municipal de Saúde afirmou que começou na segunda e termina nesta quarta (13) de fazer os repasses que faltavam para as organizaçõ­es sociais que ainda não haviam recebido na sexta (8): “As organizaçõ­es deverão pagar os salários dos seus funcionári­os entre hoje [terça] e amanhã [quarta]”.

Sobre os funcionári­os de vigilância e limpeza, informou que “a RioSaúde está trabalhand­o para regulariza­r os pagamentos das faturas dos serviços terceiriza­dos ainda em aberto”. Não respondeu, porém, sobre os salários errados. Em nota interna aos funcionári­os, disse que pagaria a gratificaç­ão de 20% pelo trabalho durante a pandemia de Covid-19 até sexta (15).

Já a Secretaria de Estado de Saúde afirmou que repassou os salários das UPAs no dia 4 à Viva Rio e que os repasses de abril e maio estão previstos para a próxima semana. Não comentou, no entanto, a decisão da Justiça do Trabalho.

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