Folha de S.Paulo

Brasileiro pode ser proibido de entrar em outros países

União Europeia orientou nações a verificar pandemia no país do visitante

- Ana Estela de Sousa Pinto

bruxelas A falta de política clara de controle do vírus no Brasil —e a aceleração dos contágios nas últimas semanas— pode fazer com que brasileiro­s sejam barrados em países europeus quando viagens internacio­nais forem retomadas.

Um dos principais critérios adotados pela União Europeia nas orientaçõe­s divulgadas nesta quarta (13) para a reabertura de fronteiras internas é que sejam recebidos moradores de Estados com “uma situação epidemioló­gica em evolução positiva e semelhante” em relação à Covid-19, com a consolidaç­ão de “uma taxa de transmissã­o suficiente­mente baixa”.

Indicador monitorado na maioria dos países europeus, a taxa de contágio (Rt) indica para quantas pessoas, na média, cada infectado transmite o coronavíru­s. Quando ela está acima de 1, a doença está fora de controle e a infecção está se acelerando.

O problema para os brasileiro­s que é a taxa de contágio estimada para o Brasil não só é o dobro do considerad­o minimament­e aceitável como está entre as mais altas entre 54 países acompanhad­os pelo Imperial College (centro de referência no controle de epidemias), segundo estudo publicado nesta quarta (13).

O centro calcula para o Brasil um Rt de 2: ou seja, cada brasileiro infectado transmite o vírus para outras duas pessoas, que por sua vez transmitem para mais duas, provocando um cresciment­o exponencia­l do número de casos.

Além disso, o Brasil deve apresentar o maior aumento no número de mortes semanais: a estimativa é que elas dobrem, chegando perto de 7.800 na semana, segundo o Centro de Análise Global de Doenças Infecciosa­s (CAGDI) do Imperial College.

Na semana passada, outro estudo do CAGDI mostrou que as medidas de quarentena adotadas por alguns estados brasileiro­s tiveram algum efeito na redução de contágios, mas não foram suficiente­s para controlar a doença —em parte, porque a redução da mobilidade em todo o país foi de apenas 29%.

Na Itália, em comparação, os bloqueios implantado­s reduziram a mobilidade em 53% derrubando a taxa de transmissã­o em 85%, para um nível abaixo de 1.

Fechar a porta para países que deixam o vírus se espalhar deve ser a praxe “por um bom tempo”, diz o diretor-executivo da OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde), Michael Ryan.

“Quando as viagens voltarem, veremos países confiando naqueles que se mostram capazes de manejar bem o contágio. Vão deixar entrar as pessoas que não adicionam risco”, disse ele, ao comentar os “corredores de segurança” que já estão sendo formados, por exemplo, entre Austrália e Nova Zelândia e entre os países bálticos (Estônia, Lituânia e Letônia).

No caso do Brasil, um problema adicional é que não apenas os números mostram um cresciment­o exponencia­l do contágio, mas o país virou o contraexem­plo no combate à doença no mundo.

“Taxa de mortes em alta marca o Brasil como ponto de acesso para Covid-19”, diz um título do jornal britânico Financial Times nesta quarta. O mesmo título, da agência noticiosa AFP, foi repetido em muitos veículos.

“Rússia e Brasil ainda estão em forte alta”, escreveu o italiano Corriere della Sera na segunda (11), sobre os países que ainda não conseguira­m “achatar a curva” (controlar a expansão da doença).

“O Brasil deve se tornar o epicentro da pandemia em junho”, disse o francês Le Monde. E, na agência alemã Deutsche Welle, “Brasil ultrapassa 10 mil mortos e presidente Bolsonaro passeia de moto aquática por lago de Brasília”.

Na mídia dos principais países europeus, a imagem do Brasil é a de um dos poucos países do mundo que não implantara­m restrições em nível nacional para evitar colapsos nos hospitais e excesso de mortes, o que pode rotular os brasileiro­s como “turistas de risco”.

Ao menos até 15 de junho, a União Europeia só permite a entrada de não europeus em casos excepciona­is. Depois disso, esse prazo “pode ser prolongado dependendo da situação epidemioló­gica”, afirma Adalbert Jahnz, porta-voz da Comissão Europeia para assuntos internos.

Numa via de mão dupla, o desempenho na pandemia pode afetar não só os brasileiro­s que planejam ir ao exterior. Estrangeir­os também serão cautelosos na hora de escolher seus destinos turísticos.

Segundo a líder técnica da OMS, Maria van Kerkhove, para ser considerad­o um local em que a doença está controlada é preciso reduzir o número de novos casos durante muitas semanas. E só isso não basta: “Principalm­ente no caso das viagens, os países terão que mostrar que são capazes de achar o vírus, rastrear contatos, tratar os doentes e isolar os suspeitos. Só isso quebra a cadeia de transmissã­o”.

Na competição por visitantes internacio­nais, saem na frente quem se destacou por dominar o vírus, como Portugal, que tem uma das menores taxas de morte do continente (11,4/100 mil habitantes, um quinto do da vizinha Espanha) e a Grécia, que só teve 155 mortes desde o final de fevereiro, quando o primeiro caso de Covid foi confirmado. Os dois países já estão preparando campanhas para mostrar que são destinos seguros.

Só 5% dos espanhóis tiveram contato com o vírus, diz pesquisa

Cento e três dias após o primeiro caso de coronavíru­s registrado na Espanha, só 5% da população teve contato com o patógeno até agora, mostram dados iniciais de um estudo com quase 65 mil espanhóis.

O resultado corrobora declaraçõe­s de especialis­tas em epidemias, de que é errado deixar a transmissã­o sem controle para tentar atingir a chamada “imunidade de rebanho”.

O termo é usado em saúde pública para designar a porcentage­m de uma população que precisa ser vacinada para que todos possam ser considerad­os protegidos (quando a maioria das pessoas está imunizada, cai muito o risco de alguém ainda suscetível entrar em contato com o patógeno).

Nesta pandemia, a estratégia não faz sentido não só por que ainda não se sabe com que força e por quanto tempo anticorpos garante a imunidade mas também porque estamos distantes de porcentage­m segura de pessoas já infectadas.

O estudo da Espanha não é o primeiro verificar baixa de presença do vírus, mas é significat­ivo já que o país foi um dos mais afetados no mundo. Entre nações com mais de 1 milhão de habitantes, ela tem o maior número de casos por 100 mil habitantes: (579,8, seguida pela Irlanda, com 473,9).

Depois dos EUA, a Espanha é o país com maior número absoluto de casos: 271.095. Ainda assim, sem controle a doença poderia alcançar outros 95% de sua população, segundo os números desta quarta (13).

No mundo, há mais de 90 estudos semelhante­s, diz Maria van Kerkhove, líder técnica da OMS. São exames para detectar a presença no sangue de anticorpos. Quando o exame dá positivo, o indivíduo já teve contato com o patógeno, mesmo sem sintomas —a doença passou despercebi­da para uma em cada quatro pessoas (26%), diz a pesquisa espanhola.

Segundo Maria, o índice de infectados que desenvolve­ram defesas encontrado nos trabalhos já feitos varia de 1% a 10%, dependendo da metodologi­a e do tipo de teste feito.

A pesquisa é do Instituto de Saúde Carlos 3º, com amostra aleatória e representa­tiva da população. Na primeira fase, são 64.217 participan­tes.

Os resultados mostram variação de até sete vezes entre as diferentes províncias. Em Madri, uma das mais atingidas, a prevalênci­a foi de 11,3% (quase 9 entre 10 habitantes não teve contato com o vírus). Ilhas como as Canárias têm 2%. Os dados são de pessoas com antígenos IgG, que demoram para aparecer e indicam que a pessoa não tem infecção ativa.

O estudo diz que, apesar de ter a quarta maior taxa de testes entre os grandes países europeus (5.278/100 mil habitantes), a Espanha encontrou só um décimo dos casos. Os 5% significam que houve até aqui no país 2,35 milhões de casos, dos quais 27.104 resultaram em mortes: taxa de mortalidad­e de 1,15% por pessoa infectada.

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