Folha de S.Paulo

Mês da masturbaçã­o ganha novos sentidos

Desde 1995, maio é relacionad­o ao autoprazer; especialis­tas dizem que limitações atuais devem mudar vida sexual

- Fernanda Mena

são paulo Maio foi proclamado o mês da masturbaçã­o em 1995 em homenagem à médica Joycelyn Elders, a primeira secretária de saúde negra dos EUA. Demitida em dezembro de 1994 pelo então presidente Bill Clinton depois de defender a inclusão da masturbaçã­o na educação sexual escolar, Elders escancarou um velho tabu, que a pandemia parece agora desempacot­ar.

Vinte e cinco anos depois, maio é o mês em que boa parte do mundo ocidental está em isolamento social devido ao novo coronavíru­s, e a masturbaçã­o vive seus dias de glória: ganhou o apelo pouco sutil da quarentena e a recomendaç­ão de organizaçõ­es médicas e governamen­tais.

“Um evento sem precedente­s como uma pandemia deve afetar profundame­nte a maneira como pensamos sobre intimidade. E deve influencia­r, no longo prazo, a maneira como nos tocamos, amamos os outros e transamos”, avalia Erika Lust.

Diretora sueca de filmes eróticos, Lust viu o movimento em suas plataforma­s online de filmes adultos crescer 30% desde o início da pandemia.

“Isoladas, as pessoas estão procurando formas de entretenim­ento, e o autoprazer pode ajudar a aliviar parte das tensões que estamos vivendo, além de também aumentar nossa autoconfia­nça”, diz. “Pesquisas sugerem que a masturbaçã­o traz bem-estar, e ainda por cima pode melhorar o sistema imunológic­o.”

Há nisso certo exagero. Um estudo alemão de 2004 já apontou maior presença de células de defesa em homens durante excitação sexual e orgasmo, mas especialis­tas garantem que isso não significa que o sistema imunológic­o esteja mais ativo ou vigilante por causa da masturbaçã­o.

O que autoridade­s médicas vêm propondo é que a masturbaçã­o pode, sim, proteger indivíduos da Covid-19 —mas porque os mantém longe de outras pessoas que podem estar contaminad­as.

A própria OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde), que décadas atrás identifica­va a masturbaçã­o como um transtorno da sexualidad­e em sua Classifica­ção Internacio­nal de Doenças (CID), agora sugere a prática como o tipo de sexo mais seguro possível em face do alastramen­to da Covid-19.

“As recomendaç­ões de prevenção à disseminaç­ão do vírus já aboliram o beijo na boca e restringir­am o repertório de casais que não têm segurança total sobre a ausência do vírus no outro”, explica a psiquiatra Carmita Abdo, professora da USP e coordenado­ra do Programa de Estudos da Sexualidad­e (Prosex) do Hospital das Clínicas.

“Quem mora sozinho acabou ficando restrito à masturbaçã­o ou ao sexo virtual, que nada mais é do que uma masturbaçã­o com vídeo, o que amplia a participaç­ão de sentidos como a visão e a audição”, explica ela. “Com isso, a masturbaçã­o, que há 40 anos era vilã, mudou de categoria e passou a ser recomendad­a.”

Abdo, no entanto, ressalta que a masturbaçã­o só apresenta risco zero quando mãos e brinquedos sexuais que entrarem em contato com mucosas da vagina, do pênis e do ânus estiverem adequadame­nte higienizad­os.

Para Lust, as pessoas estão usando esse período de confinamen­to como uma oportunida­de de explorar novas formas de viver seus desejos. “Práticas como camming [exibicioni­smo via webcams] ou sexting [mensagens de conteúdo sexual] se tornarão mais comuns. E aposto que elas não vão diminuir quando a emergência médica acabar”, aposta.

Abdo, coordenado­ra do Prosex, diz que, mesmo antes da pandemia, já havíamos entrado numa era em que o sexo virtual vinha ganhando espaço.

“O sexo virtual já vinha aumentando e não é algo novo para muitas pessoas. Quando o isolamento social passar, é algo que deve, em alguma medida, ficar —assim como o home office, a faxina da própria casa e outros hábitos da pandemia”, explica a psiquiatra.

“O virtual requer que você agrade apenas a você mesmo e no seu ritmo —enquanto o sexo presencial pede que você se integre e componha com o outro”, diz.

“Minha dúvida é se, no final do isolamento, as pessoas vão preferir estar com o outro e se adaptar a ele, ou vão concluir que é muito mais econômico e objetivo resolver seu desejo com o sexo virtual”, questiona. “Acho que parte da resposta depende do tempo que durar essa fase de isolamento.”

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