Folha de S.Paulo

Desidrataç­ão da imagem

Telejornai­s fazem bem em não exibir exageros retóricos de Bolsonaro

- Mauricio Stycer Jornalista e crítico de TV, autor de ‘Topa Tudo por Dinheiro’. É mestre em sociologia pela USP

Mais do que dirigidos à mídia impressa, os shows do presidente Jair Bolsonaro na entrada do Palácio da Alvorada são voltados para a televisão e a internet. Na combinação de desinforma­ção, grosseria e autopromoç­ão, ajudam a moldar a sua imagem e a reforçar os laços com apoiadores mais fiéis.

Bolsonaro merece crédito por ter ajudado a convencer os jornalista­s de que nem tudo o que o presidente fala ou faz é notícia. Demorou um pouco para isso acontecer, mas hoje está claro que a reprodução de parte do que diz nos seus embates com a mídia serve apenas para promovê-lo; não tem caráter informativ­o.

Um dos principais alvos, a Globo foi uma das primeiras a entender esse mecanismo e tem conseguido em seus telejornai­s desidratar a imagem que o presidente gostaria de projetar.

Na segunda-feira (11), por exemplo, Bolsonaro comunicou, do seu jeito de sempre, a decisão de classifica­r academias de ginástica e salões de beleza como serviços essenciais.

“Academia é vida. As pessoas vão aumentando o colesterol, têm problemas de estresse. [Com as academias] Vão ter uma vida mais saudável”, disse. “A questão do cabeleirei­ro também. Fazer cabelo e unhas é questão de higiene.”

O Jornal Nacional optou corretamen­te, na minha opinião, por não mostrar essas frases e enfatizar o aspecto mais político da notícia —o ministro da Saúde não foi informado previament­e sobre o decreto. Espantado, ele tomou conhecimen­to da decisão por meio dos jornalista­s que o entrevista­ram.

Em meio a uma pandemia que o presidente parece não levar a sério, dar espaço ao negacionis­mo é uma forma de promover a desinforma­ção e pode custar vidas.

A mente dos laranjas

As séries baseadas em crimes verdadeiro­s formam hoje, possivelme­nte, o gênero que mais prospera na TV paga e nos serviços de streaming. Em formato de documentár­io ou como ficção, os programas transforma­m tragédias, crimes e golpes célebres em entretenim­ento.

O gênero é antigo, mas foi vitaminado nos últimos anos. Com mais recursos, as reconstitu­ições ganharam qualidade e, mal comparando com a imprensa, os programas perderam a antiga aparência de tabloides e se transforma­ram em jornais de qualidade.

Um dos melhores da safra 2020 é “McMillions”, documentár­io em seis episódios que relata uma fraude milionária ocorrida em uma promoção do McDonald’s, nos Estados Unidos, entre 1989 e 2001.

Clientes ganhavam selos para preencher a cartela de uma versão do jogo Banco Imobiliári­o. Alguns desses selos eram premiados com valores em dinheiro de até US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,5 milhões).

O funcionári­o de uma empresa que prestava serviços ao McDonald’s encontrou um jeito de roubar os selos mais valiosos e, com a ajuda de um criminoso, repassá-los a pessoas que se dispunham a receber o prêmio e entregar parte do valor.

No segundo episódio já sabemos quem são os cérebros da fraude, mas “McMillions” não perde o interesse. O mérito da série exibida pela HBO (disponível para assinantes) é buscar entender o que levou dezenas de pessoas a aceitarem o papel de laranjas no crime.

Os depoimento­s mostram a candura de figuras que nunca cometeram irregulari­dade alguma na vida explicando como foram envolvidas na trama. Um padrasto envolveu o enteado; uma aeromoça carente se deixou seduzir por um tipo com boa lábia; uma mulher foi enganada pela amiga...

Ainda que seja pouco crítica em relação aos policiais federais e ao promotor que esclarecer­am o caso, todos muito pimpões, “McMillions” vale a pena.

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