Paulo César Pereio, o ‘galã-terrible’ do cinema, foi viver no Retiro dos Artistas
Ator diz que mudança para a instituição de caridade é temporária e que ainda não se aposentou
rio de janeiro Paulo César Pereio, 80, ator em dezenas de filmes desde os anos 1960, foi morar no Retiro dos Artistas. A instituição centenária no Rio de Janeiro acolhe artistas sem família ou em dificuldades.
“Ainda tenho meu apartamento em São Paulo, então não me mudei. É uma situação de exceção”, diz o ator. “Gosto bastante daqui, é muito vantajoso. Lá, não estaria tão bem. Teria que sair sempre, ir ao restaurante. Aqui é um microcosmos, um universo fechado em pleno ataque do vírus.”
Pereio é uma espécie de “galã-terrible” do cinema do país. Seus papéis de cafajeste —às vezes com coração, muitas vezes não— e frases inesquecíveis como “eu te amo, porra” lhe deram aura mítica, em especial em longas dos anos 1970 e 1980.
Participou de obras de grande projeção, como “Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia”, de 1977, e “A Dama do Lotação”, de 1978, além de comédias ao estilo de “Assim Era a Pornochanchada”, de 1978, e “O Segredo da Múmia”, de 1982. Também teve vários trabalhos na TV, como em “Roque Santeiro, de 1985, e, mais recentemente, na série “Magnífica 70”, levada ao ar de 2015 a 2018 pela HBO.
No retiro, num terreno de 15 mil metros quadrados, Pereio está morando com 51 colegas. Não é incomum que alguns artistas passem um ou dois anos e depois voltem para casa. “Sabe como é ator, né?”, pergunta Maria Aparecida Cabral, a Cida, administradora do retiro.
“Às vezes estão bem de vida, com contrato, mas às vezes ficam em baixa. Muitos moram um período e saem.” Foi o caso de Cláudio Corrêa e Castro, diz Cida, que trabalha lá há 19 anos. “Ele estava deprimido e morou com a gente por cerca de um ano. Depois foi embora e veio a falecer, infelizmente.”
Pai de quatro filhos, Pereio morava sozinho em São Paulo
e fez a mudança em dezembro. “Me administro muito mal. Não recebo benesses, não tenho nada. Fui ver minha filha mais velha em Rio das Ostras, onde ela mora, e discutimos essa possibilidade. Então vim para cá.” Seus filhos o visitam e colaboram com o retiro.
Alguns, no entanto, não têm outra escolha. “Muitos não têm família ou mesmo foram abandonados”, diz Cida. “E aqui não temos só atores. Temos gente que trabalhou a vida toda na área técnica, como cenógrafos, câmeras, pessoal do circo e até uma jornalista. Em dez dias vamos receber o primeiro artista do futebol, por que não, né? É o goleiro Manga.”
O Retiro dos Artistas foi fundado em 1918 pelo ator e cantor Leopoldo Fróes, morto em 1932. Estava sob risco de fechar, há 20 anos, quando o ator Stepan Nercessian assumiu o lugar e iniciou uma recuperação bem-sucedida. Nercessian ainda é o presidente hoje, e a cantora e atriz Zezé Motta, a vice.
Antigamente, os artistas moravam juntos no casarão principal ou em casinhas de madeira que foram se degradando. Depois, foram construídas 50 pequenas casas de alvenaria, individuais, com quarto, sala, banheiro e cozinha.
Há ainda teatro, cinema, salão de cabeleireiro, enfermagem e um centro médico que funciona 24 horas, onde ficam aqueles com problemas de saúde mais graves. Hoje, dez artistas estão no centro de apoio e outros 42 vivem nas casinhas.
O casarão virou um bazar, que ajuda a arrecadar recursos para a ONG. Com 34 funcionários, entre médicos, faxineiros e cozinheiros, a instituição tem um custo mensal de R$ 147 mil e sobrevive por meio de doações. Há gastos com psicólogos, nutricionistas, dentistas, e o retiro serve cinco refeições por dia.
“Já estávamos trabalhando com 30% de déficit. Agora na pandemia, tivemos uma queda de 60% no número de doações”, diz Cida. Para quem quiser ajudar, no site retirodosartistas.org.br há uma página informando como podem ser feitas doações financeiras em contas bancárias, por cartão de crédito e boleto ou ainda de alimentos ou materiais de higiene e limpeza.
Pereio curte especialmente o chá da tarde e lembra ao repórter que não está aposentado. “Atores não se aposentam. Sabe qual é a idade do Rei Lear? Noventa anos. Ainda sou muito novo para fazer”, diz ele.
Enquanto não chega a hora de interpretar o personagem de Shakespeare, há outros trabalhos em vista.
“Tenho dois filmes para fazer. O Rui Guerra está querendo fazer uma continuação de ‘Os Fuzis’ e ‘A Queda’, fechar essa trilogia”, conta o ator. “Os Fuzis”, de 1964, foi o primeiro longa de Pereio. “Também recebi um outro roteiro. Agora temos que esperar o fim da quarentena para voltar ao trabalho”, finaliza.