Quarentena trouxe lições para a educação que depois não deveriam cair no limbo
são paulo É triste que tenhamos esperado uma tragédia sem precedentes como esta do coronavírus para avanços na educação que poderiam ter ocorrido antes, muito antes.
Analisemos, então, o que a urgência do confinamento social trouxe de soluções que não deveriam cair no limbo quando o Brasil voltar ao tal do “novo normal”.
Em São Paulo, o governo criou em um pouco mais de um mês um aplicativo e dois canais de TV para transmissão de conteúdo. Claro que há problemas, a começar por falha na comunicação, com alunos que nem fazem ideia de que estejam ocorrendo aulas a distância. Mas não dá para desprezar o potencial dessas ferramentas.
O aplicativo, além da exibição de aulas, ao vivo e gravadas, e da postagem de atividades para diferentes níveis escolares, abre a possibilidade de que cada turma tenha uma sala virtual para mensagens e conteúdos específicos, além dos gerais oferecidos na rede.
Esse canal de trocas entre alunos e professores, já comum em escolas particulares, mostrava-se bem mais distante da realidade das públicas.
Para as aulas, o governo lançou mão de uma interessante estratégia ao dar espaço a youtubers da educação, os edutubers, que sabem muito bem como se comunicar.
Também está mesclando material próprio, produzido nos cinco estúdios montados às pressas entre março e abril em São Paulo, a vídeos da Fundação Roberto Marinho e da rede de ensino do Amazonas.
Luis Fabian Pereira, secretário de educação do Amazonas, disse à coluna que o Centro de Mídias e Educação do estado conta com cem profissionais e nove estúdios e já tem quaDiariamente, se 10 mil horas de conteúdo, produzido em 13 anos, desde o início do projeto.
Ele explicou que em áreas mais remotas, com populações ribeirinhas e indígenas, por exemplo, não é possível ter professores de todas as disciplinas. Assim, muitas aulas são exibidas em aparelhos de televisão nas escolas, com a mediação de um professor local responsável pela turma.
Não é o ensino a distancia, digamos, clássico, que esta quarentena comprova não ser o ideal para a educação básica. Trata-se de formato híbrido, com a facilidade de haver, de forma presencial, o auxílio de um educador e a interação entre os alunos. Além disso, os professores escolhidos para as aulas são aqueles com melhor desenvoltura diante das câmeras. Há ainda trabalho de produção e de edição.
No confinamento sem aviso prévio, uma das dificuldades na rede particular tem sido a do improviso de grande parte das aulas, em que tantos professores são obrigados a encarar o vídeo sem treinamento ou mesmo aptidão.
O Amazonas também usa a rede a distancia para a capacitação de professores, além de debates voltados às famílias dos alunos.
Tudo isso, que agora São Paulo e outros estados correm para desenvolver, valerá ouro na pós-pandemia. Ninguém quer ensino a distancia como o que estamos encarando hoje, longe disso, com o perdão do trocadilho, mas é óbvio que a tecnologia amplia as chances de uma melhoria na educação.
Imagine, por exemplo, que todos os alunos do país possam ter aulas com os melhores mestres dos mais variados temas em conexão com o material didático e com o professor da sala treinado para intermediar e tirar dúvidas sobre as apresentações gravadas. Formação de educadores, engajamento das famílias e cursos extracurriculares dos mais diversos estão também entre as possibilidades.
Há um universo de conteúdos surgindo nestes dias de caos. Empresas privadas se abrem a alunos da rede pública e se oferecem aos governos para fornecer tecnologia e sistemas de ensino.
O grupo Cogna liberou plataforma com mais de 5.000 videoaulas e 30 mil exercícios. O SAS também disponibilizou aulas ao vivo no YouTube, além de outros conteúdos e planos de estudo em seu site. Duas redes particulares com mensalidades de mais baixo custo, a Escola Mais e a Luminova tornaram público o conteúdo que oferecem aos seus alunos. São alguns exemplos de muitas iniciativas.
Em 12 de março, na última coluna que escrevi antes do domínio da pandemia no noticiário, falei sobre a reforma da escola de Suzano que havia sido palco de um massacre um ano antes.
Empresas locais e o governo de São Paulo se uniram em torno da reconstrução, e comentei que mobilizações assim não deveriam esperar tragédias. E aí veio o coronavírus para concretizar da noite para o dia tantas parcerias e trocas entre governos, fundações e o setor privado. Será que, depois desse trauma, o país conseguirá enfim manter o senso de urgência e de prioridade em relação à educação?