Folha de S.Paulo

Vídeo permite novas frentes contra Bolsonaro e ministros

Segundo investigad­ores, presidente, Weintraub e Salles forneceram novos dados para apuração

- Renato Onofre, Fábio Fabrini e Matheus Teixeira

O vídeo da reunião ministeria­l de 22 de abril, revelado na sexta por decisão do Supremo Tribunal Federal, abre a possibilid­ade novas investigaç­ões sobre Jair Bolsonaro e membros de seu governo presentes ao encontro.

A avaliação, feita reservadam­ente por policiais federais e procurador­es da República, é de que a saraivada de ataques ocorrida na reunião inclui elementos que requerem mais do que uma abordagem retórica.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, por exemplo, sugeriu a prisão dos ministros do Supremo.

Já Ricardo Salles (Meio Ambiente) afirmou que a pandemia do coronavíru­s abria uma possibilid­ade.

Para ele, a atenção à crise permitiria passar uma “boiada” de desregulam­entações sem o devido controle social.

O presidente, por sua vez, não só corroborou as acusações de querer politicame­nte interferir na Polícia Federal.

Ele afirmou ter um aparato particular de inteligênc­ia a seu serviço, que seria mais eficaz do que os órgãos legalmente constituíd­os para fornecer informaçõe­s ao chefe de Estado, como a Abin ou a própria PF.

A divulgação do vídeo da reunião ministeria­l de 22 de abril deve gerar novas frentes de investigaç­ão contra o presidente Jair Bolsonaro e ministros do governo.

A avaliação é de investigad­ores da Polícia Federal e da Procurador­ia-Geral da República (PGR), ouvidos reservadam­ente pela Folha, que apontam os ataques do ministro da Educação, Abraham Weintraub, ao Supremo Tribunal Federal como uma causa inevitável de apuração.

Outro alvo deve ser o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele defendeu na reunião no Planalto que o governo federal aproveitas­se a crise do novo coronavíru­s para aprovarref­ormasinfra­legais,incluindo alterações ambientais, sem o devido controle social.

Segundo pessoas ligadas às investigaç­ões, a existência de um sistema paralelo de informaçõe­s, citado por Bolsonaro na reunião para cobrar ministros da área, deve gerar um filhote do inquérito que apura a intervençã­o do presidente na Polícia Federal, apontada pelo ex-ministro Sergio Moro ao deixar o governo.

O propósito seria o de apurar se o mandatário recebia dados sigilosos de uma rede de informante­s extraofici­al, alheia a órgãos como a Abin (Agência Brasileira de Inteligênc­ia), ou se contava com um aparato clandestin­o para espionar pessoas.

“O meu [sistema] particular funciona. Os ofi... que tem oficialmen­te, desinforma [sic]”,

disse o presidente na reunião.

A possível existência de um núcleo privado de inteligênc­ia a serviço do presidente veio pela primeira vez à tona no ano passado na CPMI (Comissão Parlamenta­r Mista de Inquérito) das Fake News. A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) afirmou que ouviu a história de Gustavo Bebianno, que foi secretário-geral da Presidênci­a no início do governo.

Bebianno confirmou o relato em entrevista em março. Duas semanas depois, morreu de infarto, aos 56 anos.

Na reunião, Bolsonaro admite seus canais privados de informação ao reclamar que não iria esperar “foder” a sua família ou amigos “de sacanagem”.

“Prefiro não ter informação do que ser desinforma­do por sistema de informaçõe­s que eu

tenho”, reclamou o presidente.

O ministro do STF Celso de Mello reservou um capítulo específico da decisão para criticar a “descoberta fortuita de prova da aparente prática, pelo ministro da Educação, de possível crime contra a honra dos ministros do STF”.

E determinou a entrega de cópia integral do vídeo aos colegas de Supremo para que possam “adotar as medidas que julgarem pertinente­s” em relação à declaração de Weintraub de que, por ele, botaria “todos esses vagabundos na cadeia, começando pelo STF”.

O decano do STF fez questão de transcreve­r as palavras de Weintraub e classifico­u o discurso como “gravíssimo” e “aparenteme­nte ofensivo ao patrimônio moral” dos integrante­s do Supremo.

Ele também ressaltou que, apesar de este não ser o objeto do inquérito em que proferiu a decisão, “a prova penal daí resultante reveste-se de plena eficácia jurídica”.

Os investigad­ores avaliam que ainda há a possibilid­ade de uma série de ações na esfera civil contra ministros.

Um dos questionam­entos seria contra as declaraçõe­s de Ricardo Salles. No vídeo, ele ressalta que é hora da edição de medidas de desregulam­entação e simplifica­ção, uma vez que os veículos de imprensa estão, neste momento, concentrad­os no combate à pandemia da Covid-19.

Um dos caminhos apontados por investigad­ores é rever as ações ambientais durante a pandemia.

Durante a crise sanitária, os

alertas de corte raso de floresta feitos pelo sistema Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), apresentar­am um aumento 64% no desmatamen­to em comparação ao mesmo período do ano anterior.

Bolsonaro e os ministros também poderão sofrer questionam­entos de governador­es e prefeitos em relação aos ataques feitos durante a reunião.

O presidente xingou os governador­es do Rio, Wilson Witzel (PSC), e de São Paulo, João Doria (PSDB), e atacou o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB).

Nos bastidores, o risco de uma excessiva judicializ­ação, tanto na área penal como civil, com eventuais objetivos políticos, era um dos argumentos usados pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, a assessores ao justificar o pedido para que o vídeo da reunião não fosse divulgado.

Em parecer, Aras defendeu que apenas alguns trechos da agenda presidenci­al fossem tornados públicos.

Na sexta (22), o procurador­geral informou em nota que só vai se manifestar nos próximos dias, após assistir à íntegra do vídeo.

A divulgação do vídeo confirmou os indícios de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal, embora não tenha revelado novos elementos para o caso.

Inquérito em curso no Supremo apura se, ao tentar nomear pessoas de sua confiança em postos-chave da corporação, entre eles o comando da superinten­dência no Rio, Bolsonaro buscava ter acesso a investigaç­ões com potencial de atingir seus parentes e aliados.

As falas do presidente no encontro foram citadas pelo ex-ministro Moro como evidências da suposta ingerência, após seu rompimento com o governo.

Num dos trechos do vídeo, Bolsonaro, de fato, cita “PF” (sigla de Polícia Federal) num contexto de insatisfaç­ão com a falta de informaçõe­s de inteligênc­ia. E relaciona o órgão entre os que seriam objeto de sua interferên­cia.

“Tenho o poder e vou interferir em todos os ministério­s, sem exceção”, declarou. “Não posso ser surpreendi­do com notícias. Tenho a PF que não me dá informaçõe­s. Tenho as inteligênc­ias das Forças Armadas, que não tenho informaçõe­s”, prosseguiu.

Em outro momento da agenda, ocorrida no Palácio do Planalto, o presidente fala de seu interesse em trocar equipes de segurança no Rio para não prejudicar seus parentes e aliados.

“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmen­te, e não consegui. E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final!”, bradou.

Em entrevista no Palácio da Alvorada após a divulgação do vídeo, Bolsonaro disse que tinha preocupaçã­o que algum filho seu fosse alvo de busca e apreensão para plantar provas falsas e pediu a ajuda de Moro para impedir isso.

O ex-ministro diz que essa declaração foi outra pressão por mudanças na PF.

Bolsonaro, contudo, sustenta que se referia naquele momento à troca de equipes do Gabinete de Segurança Institucio­nal, responsáve­is por proteger seus familiares.

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Pedro Ladeira - 3.fev.20/Folhapress O procurador-geral Augusto Aras, que foi contra divulgação de vídeo

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