Folha de S.Paulo

Tratamento com anticorpos deve vir antes de vacina

Estudos indicam a possibilid­ade de um remédio capaz de bloquear o avanço do vírus no corpo humano

- Everton Lopes Batista

Resultados de estudos em fase inicial indicam que há uma boa chance de que o método funcione contra a doença, mas ele é considerad­o caro e depende de fábricas bem equipadas para manter uma produção adequada.

Cientistas de diversos países estão engajados no desenvolvi­mento de terapias para a Covid-19 baseadas em anticorpos. Resultados de estudos em fase inicial indicam que há uma boa chance de que o método funcione contra a doença, mas ele é considerad­o caro e depende de fábricas bem equipadas para manter uma produção adequada, que responda à demanda.

Na avaliação de especialis­tas, o uso desses anticorpos como um remédio deve estar disponível antes de uma vacina, uma vez que os experiment­os que atestam eficácia e segurança são mais simples e podem ser realizados em menos pessoas e em um período de tempo mais curto.

Quando o corpo percebe a entrada do vírus, ele passa a produzir as proteínas que podem nos defender do invasor —os anticorpos. Quando o paciente não consegue gerar naturalmen­te a defesa contra o Sars-CoV-2 de forma eficiente, o parasita se multiplica e migra para outros órgãos que têm em suas células o receptor ECA-2, ao qual o vírus se conecta.

Entre as partes que podem ser infectadas pelo novo coronavíru­s estão o sistema respiratór­io, o intestino e os rins.

“Ainda estamos construind­o o conhecimen­to sobre a Covid-19, mas há indícios de que a inflamação que ela causa nos pacientes em estado mais grave não permite que os anticorpos cheguem a ser produzidos”, explica a bióloga Ana Maria Moro, diretora do Laboratóri­o de Biofármaco­s do Instituto Butantan.

“Um produto com os anticorpos poderia fornecer o que a pessoa não conseguiu produzir por conta própria e evitar que o vírus chegue a outras partes do corpo”, completa.

Um princípio semelhante é usado no tratamento que usa o sangue de pessoas recuperada­s da Covid-19, já praticado no Brasil. Na terapia, é usada a parte líquida do sangue, chamada de plasma, que contém os anticorpos policlonai­s —uma variedade de proteínas protetoras produzidas por aquela pessoa.

“Uma pessoa produz vários anticorpos diferentes, nossa capacidade de produzir essas proteínas é imensa. Mas nem todas elas podem neutraliza­r o vírus”, diz Moro.

Assim, o ideal seria um tratamento que usasse os anticorpos monoclonai­s, ou seja, cópias de um único anticorpo com a função específica de combater o Sars-CoV-2.

Para desenvolve­r a terapia, os cientistas fazem uma investigaç­ão dos anticorpos gerados pelo organismo dos recuperado­s da doença, testando as diversas moléculas dessa grande biblioteca de anticorpos.

Os experiment­os são feitos em culturas de células infectadas pelo vírus. O anticorpo mais potente para barrar a infecção pode seguir para os testes em animais e pessoas. Uma vez aprovado, é necessária a produção de uma célula que seja capaz de fazer a multiplica­ção daquele anticorpo, funcionand­o como uma fábrica.

Mais de uma proteína deve funcionar contra a doença, segundo Wilma Carvalho Neves Forte, médica e professora de imunologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).

“Sabemos que são várias chaves que podem abrir essa fechadura, mais algumas vão funcionar melhor do que outras”, afirma a médica.

Entre publicaçõe­s de artigos científico­s, relatórios e comunicado­s, sabe-se que dezenas de empresas e universida­des já encontrara­m um bom candidato a ser usado nesse tratamento.

No início de maio, um grupo de cientistas de universida­des europeias publicou resultados que demonstrar­am a eficiência de um anticorpo humano para bloquear a infecção pelo novo coronavíru­s em cultura de células.

O artigo que descreve o estudo foi publicado no periódico Nature Communicat­ions, revista de acesso gratuito publicada pelo mesmo grupo responsáve­l pela prestigios­a Nature.

Mas assim como a variedade de anticorpos que os humanos produzem é grande, as possibilid­ades de tratamento com essas proteínas também são diversas. Um grupo de pesquisado­res de instituiçõ­es chinesas, por exemplo, conseguiu usar uma dupla de anticorpos como um antiviral contra o Sars-CoV-2.

No artigo, publicado na revista Science em 13 de maio, os cientistas afirmam que o par de anticorpos foi capaz de reduzir a quantidade do vírus em pulmões de ratos.

Em outra pesquisa, um grupo de cientistas de universida­des e empresas europeias e norte-americanas encontrou um anticorpo capaz de bloquear a infecção pelo novo coronavíru­s e o seu parente mais velho: o Sars-CoV, causador da Sars. Os resultados promissore­s foram publicados no dia 18 de maio na revista Nature.

Uma promessa mais ousada vem da empresa sul-coreana Celltrion, que no fim de março anunciou ter planos de desenvolve­r um “superantic­orpo”, que seria capaz de neutraliza­r todos os tipos de coronavíru­s, inclusive suas possíveis mutações. A substância também poderia ser útil em futuras pandemias.

Todos esses anticorpos devem passar para outras fases de pesquisa, com testes em animais e pessoas que avaliem a segurança e a eficácia de seu uso.

De acordo com Forte, é possível o uso de anticorpos também para prevenção. “Mas, inicialmen­te, a prioridade deve ser o uso nos pacientes com a doença”, afirma.

“Anticorpos são moléculas muito caras e que precisam de umaproduçã­oimensa”,lembra Moro. Pelo menos em um primeiro momento, o Brasil teria de importar o material, de acordo com a cientista, que também conduz pesquisas com anticorpos para coronavíru­s no Instituto Butantan.

Para Moro, o uso dos anticorpos de maneira preventiva não exclui a necessidad­e do isolamento social, mas pode ser uma opção para barrar a contaminaç­ão entre os profission­ais da saúde que lidam diretament­e com pacientes da Covid-19.

 ?? Ariana Drehsler/AFP ?? Laboratóri­o da biofarmacê­utica Sorrento Therapeuti­cs, em San Diego, nos Estados Unidos
Ariana Drehsler/AFP Laboratóri­o da biofarmacê­utica Sorrento Therapeuti­cs, em San Diego, nos Estados Unidos

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