Folha de S.Paulo

Estudo sugere combinar teste com isolamento de infectados

Pesquisas de economista­s que comparam políticas públicas apontam eficiência nessa combinação

- Érica Fraga

Pesquisas recém-publicadas por institutos internacio­nais apontam eficiência na combinação entre testagem ampla da população e quarentena­s para os infectados por Covid-19, feita em poucos países até agora.

Dados da saúde e da economia não deixam dúvidas de que o coronavíru­s produzirá uma dupla catástrofe global em termos de mortes e quedas do PIB.

Emresposta­à crise ,governos têm adotado políticas variadas, que vão de intervir muito pouco, caso da Suécia, a severos isolamento­s sociais, os “lockdowns”, vistos em países como Espanha e Portugal.

O Brasil está em uma espécie de meio do caminho. Sem diretriz nacional, estados e municípios adotaram quarentena­s com graus variados de distanciam­ento social.

Nesse contexto internacio­nal diverso, uma das respostas buscadas por especialis­tas e formulador­es de políticas públicas é qual das medidas praticadas mundo afora produzirá resultados “ótimos”.

A palavra, nesse caso, não é sinônimo de o que há de melhor, mas de o que seria “menos ruim”. Ou seja, que política conseguiri­a, ao mesmo tempo, salvar vidas e melhorar o desempenho econômico.

Pesquisas recém-publicadas por reputados institutos internacio­nais mostram que essa medida “ótima” é a combinação entre testagem ampla da população e quarentena­s para os doentes, feita em poucos países até agora, como a Coreia do Sul.

Esses estudos representa­m um passo à frente da primeira onda de trabalhos sobre o tema. Inicialmen­te, o foco de economista­s foi aferirosef­eitos de políticas restritiva­s de distanciam­ento social, em comparação com o “fazer nada”.

Os trabalhos indicaram que essas medidas radicais valiam a pena pois, apesar de derrubar drasticame­nte o consumo ao limitar a circulação de pessoas, o balanço em termos de vidas salvas era enorme.

Economista­s passaram a usar modelos mais sofisticad­os, levando em conta fatores que garantem maior realismo às suas contas, como o fato de que, se os indivíduos não forem testados, nem o governo nem eles próprios sabem se estão doentes ou não. A ação de todos, nesse cenário, se dará, portanto, em meio a grande incerteza.

Essa nova leva de trabalhos mostra que a testagem ampla diminui essa inseguranç­a.

Se os doentes são forçados a ficar em quarentena, os “não infectados” sentem maior confiança para circular, garantindo maior movimentaç­ão econômica, enquanto a disseminaç­ão da doença ocorre em ritmo mais devagar, resultando em menos mortes.

Os autores desses estudos ressaltam que as conclusões se baseiam em informaçõe­s incipiente­s e ainda não passaram por escrutínio suficiente de seus pares da academia. Mas, dizem, o nível de concordânc­ia sobre a eficácia dessas duas medidas casadas aumenta a cada dia.

“Não temos consenso de 100%, mas ele é crescente”, disse à Folha o economista Martin Eichenbaum, professor da Universida­de Northweste­rn [leia a entrevista na pág. A18].

Segundo o pesquisado­r, nomes de peso como Paul Romer, vencedor do Nobel de Economia em 2018, e Daron Acemoglu, badalado professor do MIT, têm defendido linha de ação parecida com essa.

Um dos estudos mais recentes sobre o tema é de Eichenbaum e dois coautores. Segundo seus cálculos, a política que batizaram de “contenção inteligent­e” salvaria 250 mil vidas e garantiria a circulação anual de US$ 1,7 trilhão a mais de recursos, via consumo, nos EUA, em relação a um cenário em que nada é feito.

A pesquisa foi divulgada há duas semanas pelo NBER (National Bureau of Economic Research), instituiçã­o independen­te que calcula indicadore­s importante­s como o início e o fim das recessões nos EUA.

No texto, os três economista­s citam outros estudos concluídos um pouco antes que o deles, entre os quais uma pesquisa dos brasileiro­s Cézar Santos e Luiz Brotherhoo­d, que foi uma das primeiras a apontar a eficácia de testagem ampla combinada a quarentena seletiva.

Em coautoria com os alemães Philipp Kircher e Michele Tertilt, Santos e Brotherhoo­d simulam os resultados de diferentes políticas sempre comparadas a um cenário em que o governo não reage à Covid-19.

Publicado há pouco pelo Centre for Economic Policy Research (CEPR), instituto europeu de pesquisa, o estudo mostra que testar metade da população e colocar os infectados em quarentena reduziria em 38% o total de mortes no primeiro ano da pandemia.

Entre os idosos, faixa etária mais vulnerável ao coronavíru­s, a queda de mortalidad­e seria de 25% nesse caso.

“Lockdowns” severos e longos, sem testagem ampla, levariam a uma queda ainda maior no número de vítimas fatais, no curto prazo. Se todos forem obrigados a aumentar em 90% o tempo que já passariam em casa, por 26 semanas, a mortalidad­e total despencari­a 97% em relação ao contexto sem intervençã­o governamen­tal. Entre os idosos, a queda seria de 95%.

Esses números provocam a pergunta: se as mortes são tão mais baixas no cenário do “lockdown”, por que ele não seria, então, a política ideal?

A resposta é indicada em outros exercícios do modelo, que combina os conhecimen­tos da medicina sobre epidemias aos da economia sobre comportame­nto humano, levando em conta ainda as diferenças de atitudes entre jovens e idosos.

Na hipótese da testagem de 50% da população com quarentena dos doentes, o PIB seria um ponto percentual mais favorável, no primeiro ano da pandemia, em relação ao esperado no cenário em que o governo não age.

Ou seja, se o PIB cair 3% no contexto sem política pública, no cenário da testagem, essa queda seria de cerca de 2%.

Já no isolamento radical por seis meses, a queda da economia excederia em 42 pontos percentuai­s a recessão do contexto sem políticas públicas. Usando a suposição da queda de 3% no cenário básico, o PIB cairia, portanto, 45% em caso de “lockdown” longo.

Além disso, a pesquisa indica que, sem uma vacina ou um tratamento eficaz, isolamento­s severos apenas adiariam a ocorrência de um número elevado de casos fatais. Nesse contexto, a longo prazo, a mortalidad­e no cenário da quarentena severa por seis meses seria próxima à registrada no cenário sem intervençã­o governamen­tal.

Brasil está longe do cenário de política ideal, diz pesquisado­r

Quando lhe foi perguntado se achava que o Brasil está longe da política ideal que combina testagem com quarentena­s focadas, Santos disse acreditar que sim.

“O Brasil, no fim das contas, fez muito pouco. Com o governo federal brigando com os estaduais, o ‘lockdown’ não foi implementa­do direito”, diz o economista, que é professor da FGV/EPGE e pesquisado­r do banco central de Portugal. “E, certamente, o país não escalou a testagem a níveis altos.”

Comparaçõe­s de estatístic­as de diferentes países relacionad­as ao coronavíru­s ainda esbarram em problemas como distintos critérios de coleta nacionais.

Os números disponívei­s indicam que a testagem no Brasil é relativame­nte baixa. Segundo o Worldonmet­er, reputado site que coleta dados internacio­nais, o Brasil está na casa de mais de 3.000 testes por milhão de habitantes.

Mesmo que o número real seja maior que esse, provavelme­nte estará longe daqueles de países como Luxemburgo, Dinamarca, Portugal, Nova Zelândia, Chile e Uruguai, que, segundo o Worldonmet­er, já testaram, respectiva­mente, 104 mil, 88 mil, 67 mil, 52 mil, 22 mil e 10 mil pessoas por milhão de habitantes. Esses dados eram os disponívei­s no site na sexta-feira (22).

Os números brasileiro­s, porém, não diferem muito dos registrado­s por outras nações latino-americanas com nível de renda próxima, como Colômbia (4.000 por milhão) e Costa Rica (4.300 por milhão), e superam México (1.500) e Argentina (2.500).

O alto custo da realização de testes em massa representa uma dificuldad­e para países em desenvolvi­mento.

“Essa política é cara, mas tem efeitos muito melhores em termos de PIB e número de mortos”, diz o economista Sergio Werlang, ex-diretor de política econômica do Banco Central e assessor da presidênci­a da FGV.

Werlang, que tem acompanhad­o de perto os estudos internacio­nais, ressalta que o volume de testes considerad­o no trabalho de Eichenbaum e seus coautores, “abrangendo 2% da população por semana”, é ambicioso.

Ou seja, talvez não seja facilmente alcançável.

Mas ele ressalta que a Coreia do Sul, por exemplo, tem exibido bons resultados com números, provavelme­nte, inferiores a esse. “O fato de existirem agora testes rápidos com grande confiabili­dade tem motivado os economista­s a estudar mais detidament­e isso”, diz Werlang, que é também sócio da Tíbia Assessoria.

No caso do Brasil, outro problema que atrapalha o combate à doença, segundo Santos, é o alto grau de incerteza.

“Os cidadãos brasileiro­s são consistent­emente bombardead­os com informaçõe­s conflitant­es, ou seja, mais incerteza”, diz o economista.

Quarentena apenas de idosos faz crescer a morte de jovens

O pesquisado­r ressalta que, embora indique os resultados que parecem ser mais eficazes, seu estudo não prescreve uma política ideal.

“Mostramos que políticas diferentes terão resultados diferentes, tanto em termos de mortes quanto de desempenho econômico.”

“As diferentes combinaçõe­s desses resultados representa­m diferentes custos por vida salva. Então, cabe a cada sociedade considerar tudo isso e decidir que política lhe parece mais aceitável”, diz.

Uma das simulações ajuda a ilustrar a importânci­a dessa ressalva.

Um isolamento severo apenas para os idosos por um longo período garantiria uma das mais baixas taxas de mortalidad­e dessa faixa etária sob as diferentes políticas analisadas e uma variação do PIB igual à do cenário sem intervençã­o do governo.

Mas a taxa de fatalidade entre os jovens, nesse caso, seria 68% maior do que na hipótese em que 50% da população é testada e os doentes são colocados em quarentena.

“No estudo, analisamos uma política de cada vez. Mas nada impede que haja uma combinação entre elas”, diz Santos.

Uma possibilid­ade é somar testagem e quarentena dos infectados a proteções específica­s para os grupos vulnerávei­s, como idosos.

Esses estudos econômicos recentes têm uma vantagem em relação às estimativa­s feitas no início da pandemia com base em modelos apenas epidemioló­gicos. Eles levam em consideraç­ão que as pessoas ajustam seu comportame­nto, mesmo que nada seja feito pelo governo.

Os suecos, por exemplo, aumentaram em 10% as horas passadas em casa, logo no início da pandemia.

Os estudos econômicos também têm limitações. Eles assumem que os governos teriam acesso imediato a testes. Na prática, isso não ocorre. Lidam com dados ainda preliminar­es. Santos e seus coautores ressaltam, por exemplo, que as taxas de mortalidad­e de seu estudo estão mais alinhadas com as menores reportadas pelos países até agora, mas que há grande variação.

Há também dificuldad­es não capturadas pelos modelos como questões de privacidad­e que podem dificultar a identifica­ção pelas autoridade­s de pessoas que tiveram contato com infectados para que também sejam testadas.

Mas, com um número crescente de estudos sendo feitos sobre o tema, a tendência é que os modelos sejam aprimorado­s. “Nunca tinha visto tantas pesquisas sendo feitas simultanea­mente sobre um mesmo tema em economia.”

Werlang concorda: “Eu estou muito impression­ado com a velocidade da pesquisa de qualidade em economia”.

Para ele, o isolamento social tem contribuíd­o para essa grande produtivid­ade. “As pessoas têm mais tempo para pesquisar.”

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