Obama entra em campanha contra reeleição de Trump
Ex-presidente concentra esforços para recuperar eleitores que preferiram Trump em 2016
O ex-presidente dos EUA Barack Obama declarou apoio ao candidato democrata, Joe Biden, que foi seu vice, e passou a criticar o governo de Donald Trump sobre o combate à Covid-19. O cenário para a eleição é incerto.
WASHINGTON Durante os oito anos em que esteve na Casa Branca, Barack Obama costumava almoçar uma vez por semana com Joe Biden.
Confidenciou ao vice que admirava a postura discreta dos ex-presidentes dos EUA, que historicamente evitam fazer críticas públicas a sucessores em início de mandato.
O republicano George W. Bush, dizia Obama, deu espaço a seu governo nos três primeiros anos e só se tornou opositor de fato quando o democrata lançou sua campanha à reeleição.
Biden sabia que o primeiro negro a ocupar a presidência americana não deixaria de seguir essa tradição.
Desde o início do ano, Obama traça uma estratégia cuidadosa para entrar na corrida à Casa Branca como principal cabo eleitoral democrata sem deixar fraturas no partido.
Ciente de que somente uma sigla unida terá chances contra Donald Trump, anunciou seu apoio a Biden apenas em 14 de abril, seis dias depois de o progressista Bernie Sanders ter desistido da disputa, deixando o ex-vice-presidente sem adversários rumo à nomeação.
Diante do cenário incerto escancarado por uma pandemia que já matou mais de 95 mil pessoas nos EUA, Obama se apresenta a um desafio duplo: unir democratas em torno de Biden e tentar atrair eleitores que votaram nele em 2008 e 2012, mas, em 2016, cansados da política tradicional, preferiram Trump.
Entre os já convertidos, Obama vai atuar para que negros, jovens e latinos democratas compareçam às urnas em favor de Biden.
O ex-vice-presidente tem o apoio do primeiro grupo, que ressuscitou sua desacreditada candidatura em uma vitória esmagadora nas primárias da Carolina do Sul, mas ainda não conquistou jovens e latinos, que estavam com Sanders e resistem a apoiar um nome moderado.
Ter o apoio dos negros nas prévias, porém, não é suficiente. Como o voto não é obrigatório nos EUA, é preciso motivá-los a votar no dia da eleição.
Em 2016, Hillary Clinton venceu Sanders nas primárias com apoio dos negros, mas o baixo comparecimento deles na votação contra Trump foi determinante para a derrota da democrata.
Em comparação com 2012, quando Obama os levou em número recorde às urnas, a participação dos negros em 2016 caiu 4,7% em todo o país.
Em estados considerados chave para a disputa, como Michigan e Wisconsin, a queda foi ainda mais acentuada e chegou a 12%. Essas são justamente regiões em que Trump venceu, por margem apertada, sobre o eleitorado que havia votado em Obama antes de escolher o republicano.
Favorito para novembro até o início da pandemia, Trump tem perdido popularidade diante de sua condução da crise, considerada lenta e pouco eficaz. Enquanto isso, Biden passou a liderar as pesquisas nacionais e também nesses estados considerados chave.
Obama entra em cena para tentar ampliar a vantagem e mostrar aos ex-apoiadores —e a republicanos mais tradicionais, que não gostam de Trump— que a normalidade que existia nos Estados Unidos durante o seu governo pode voltar sob Biden.
A mensagem de que é preciso restabelecer uma gestão séria, sem escândalos pessoais e com respeito às instituições será atrelada à retórica habitualmente assertiva do ex-presidente, reinaugurada com calibragem eleitoral na semana passada.
“A pandemia acabou com a ideia de que os políticos no comando sabem o que estão fazendo”, disse Obama em cerimônia virtual de formatura de estudantes universitários. “Muitos deles não estão nem mesmo fingindo que estão no comando.”
Sem citar o nome do atual presidente em quase dez minutos de discurso, Obama inflamou a campanha que estava soterrada pela crise do novo coronavírus desde março.
Com a máquina do governo e entrevistas coletivas até há pouco quase diárias na Casa Branca, Trump tem se preocupado com o avanço de Biden nas pesquisas e avalia que um nome moderado no campo democrata pode atrair o voto de independentes e dos republicanos que estão hoje desapontados com seu governo.
Além dos ataques a Biden, que tem aparecido pouco durante a pandemia devido às restrições aos eventos eleitorais, o presidente virou sua mira a Obama.
Trump inaugurou o que chama de “Obamagate”, uma suposta conspiração que o antecessor teria orquestrado contra ele. Como o presidente ainda não explicou concretamente o que seria o escândalo, analistas afirmam que essa é somente uma nova versão da tática diversionista que o republicano utiliza quando as notícias não são positivas para ele.
Obama tem dito a auxiliares que seu projeto único é vencer Trump e avisou que vai se dedicar a eventos de arrecadação, mesmo que online, e que quer viajar o país ao lado do ex-vice caso as regras de distanciamento social permitam isso no segundo semestre.
A relação de confiança entre os dois é um dos principais fios condutores da narrativa da campanha democrata.
Na época de Casa Branca, Obama convidava Biden para a maior parte das reuniões importantes. Depois que os outros convidados saíam, os dois conversavam a sós na tentativa de chegar a uma decisão.
Biden vai relembrar o histórico e apostar na popularidade do ex-chefe. A primeira pesquisa do Instituto Gallup que mediu a popularidade de Obama após o fim de seu governo é de 2018 e mostrou uma aprovação de que 63% .
Em 2019, um compilado do YouGov mostrou que 55% dos americanos tinham opinião positiva sobre o ex-presidente —número maior do que os cerca de 45% que Biden tem hoje na média nacional das pesquisas e também acima dos quase 43% de aprovação de Trump.
Motivar os convertidos parece a tarefa mais fácil com Obama, mas o teste final de Biden é reconquistar eleitores que migraram do democrata para Trump, de maioria branca, nicho em que a aprovação do ex-presidente caiu 16% entre 2009 e 2017.