Design da pandemia Crise estimula respostas criativas para emergências e novos hábitos
Designers e outros profissionais propõem soluções para proteção individual e uso de espaços como parques, praias e restaurantes
No fim de março, nos dias seguintes à ampliação das medidas de confinamento na Alemanha, o psicólogo Claudio Rimmele se deu conta, enquanto caminhava por Berlim, de que os parquinhos infantis ao ar livre estavam todos fechados, com escorregadores e balanços lacrados com fitas de segurança.
“Aqui, sempre podemos sair às ruas na quarentena e ir ao parque mantendo a distância de segurança, mas com crianças é difícil. Elas não entendem as regras nem querem entendê-las. E todos os espaços públicos que eram para elas deixaram de existir”, conta.
“Percebi que seria muito desafiante tentar criar um modo possível de elas se divertirem e interagirem com outras crianças sem se tocarem.”
Assim surgiu o projeto Rimbin, um espaço ao ar livre formado por ilhas individuais, de diferentes alturas, que permitem às crianças se verem e se comunicarem de longe.
Desenvolvida por Rimmele e o designer Martin Binder, a ideia de parquinho “livre de infecção” se destacou entre tantos projetos recentes que buscam solucionar problemas intensificados ou originados pelo novo coronavírus.
“No início, todos estavam pensando nos doentes e nos sistemas de saúde. Nós começamos a pensar em outras consequências, como aquelas para as crianças, os traumas que podem surgir depois de elas ficarem metade do ano em casa”, disse Rimmele à Folha.
Antes de chegar ao conceito final, a dupla entrevistou famílias com filhos de várias idades, para entender quais eram as maiores necessidades durante a quarentena.
“Descobrimos que as crianças mais novas estavam sendo as mais afetadas”, afirmou Binder. “Entre 3 e 8 anos, é muito importante para elas verem outros seres com as mesmas habilidades, altura e idade”, completa Rimmele.
As capacidades de empatia, de imaginar soluções e de desenhar ideias no papel tornaram o design uma das áreas mais efervescentes da pandemia, seja na criação de objetos e sinalizações, seja na reinvenção de espaços.
Os criativos —que, além de designers, incluem engenheiros, arquitetos, médicos e tantos outros— têm se apresentado para responder a novas emergências e hábitos: a lotação dos hospitais, a ocupação forçada das casas, a adoção das máscaras de proteção, a limpeza incessante de mãos e superfícies e, onde a quarentena começa a ser relaxada, a forma de reocupar ruas, meios de transportes, escritórios, restaurantes e parques.
“Foi muito interessante ver que, assim que o coronavírus começou a impactar a comunidade de designers e arquitetos, eles imediatamente quiseram ajudar”, disse Marcus Fairs, fundador e editor-chefe do britânico Dezeen, uma das mais influentes plataformas dedicadas ao tema.
“Às vezes, as ideias não são muito úteis ou são meio loucas, não funcionam, mas o gesto de querer ajudar é muito importante”, avalia Fairs, o primeiro a publicar o projeto do parquinho que evita o contato entre crianças.
“É uma ideia meio difícil de funcionar. Como vai fazer com a limpeza entre uma criança e outra? Mas colocar uma ideia em discussão pública faz com que outras pessoas percebam o que é bobagem e o que é bom, e talvez alguém pegue 5% do que é bom..”
Os primeiros movimentos surgiram na China, epicentro inicial do coronavírus. Ali, já em fevereiro, designers revelavam suas propostas para atender novos comportamentos.
Zhang Junjie criou uma máscara transparente para que as expressões faciais fiquem visíveis. Chen Furong desenvolveu luvas umedecidas com desinfetantes para limpar, por exemplo, os produtos do supermercado que entram em casa. Kiran Zhu inventou um kit de sobrevivência portátil, com máscara, gel para as mãos, adesivo que mede a temperatura e lencinho de álcool para limpar superfícies.
E Frank Chou desenhou uma luminária que esteriliza com luz ultravioleta objetos que chegaram da rua, como telefone celular e chaves.
“Como designers de produtos profissionais, nosso trabalho tem a ver com sociedade. Portanto, temos que estar atentos a todo campo da saúde pública e levar nossas contribuições”, disse Chou, que lançou o grupo Create Cures para reunir essas iniciativas.
Se, inicialmente, as ideias se concentraram no aspecto prevenção ou em preencher falta de instrumentos em hospitais, nas últimas semanas muitas propostas procuram responder às exigências coletivas observadas na fase pós-quarentena, aquela em que as cidades reabrem e devem aprender a conviver com o vírus.
Como os restaurantes. Ainda que eles continuem vetados na França, o designer Christophe Gernigon já elaborou uma proposta para que esses estabelecimentos retomem as atividades com segurança — já que os clientes não conseguem comer usando máscaras— e sem necessidade de tanta distância entre mesas, o que prejudica o faturamento.
O Plex’Eat é um cilindro transparente preso ao teto por um cabo que funciona como uma espécie de redoma em torno do cliente à mesa.
“Não imaginamos um mundo como esse, mas a ideia pode ajudar bares e restaurantes nesse período econômico difícil.”, disse Gernigon, , para quem o papel de designers e indústrias no cenário pósquarentena será o de “reinventar produtos do dia a dia, como maçanetas e tecidos”.
O francês está trabalhando no protótipo, que tem entre 80 cm de diâmetro e 60 cm de altura e uma fenda na parte de trás, para que o cliente possa se levantar. O produto é feito de acrílico, o que facilita na hora da limpeza.
Mesmo sem ainda ter definido o valor de venda, Gernigon revela ter possíveis clientes na França, Bélgica, Canadá, Japão e Argentina.
Em Amsterdã, na Holanda, o restaurante Mediamatic Eten já está com reservas lotadas mesmo antes de abrir, o que prevê fazer em junho. Isso porque viralizou a imagem das pequenas estufas em que um casal pode jantar com vista para as águas, longe de outros clientes e sem necessida
“Às vezes, as ideias não são muito úteis ou são meio loucas, não funcionam, mas o gesto de querer ajudar é muito importante Marcus Fairs fundador e editor-chefe da plataforma Dezeen
de de uma divisória na frente.
Um pouco menos romântica, a solução do restaurante Da Enzo’s, em Roma, foi abolir o cardápio de papel. No lugar, o garçom mostra um código QR para o cliente, que acessa o menu direto do celular.
Mesmo os lugares ao ar livre estão sendo repensados, já que, na reabertura dos países, as palavras de ordem são distanciamento físico.
Em Milão, atendendo a um chamado da prefeitura, o estúdio SBGA pensou em um jeito de as pessoas usufruírem de parques e praias sem abrir mão da distância de segurança. Uma vara dobrável de fibra de vidro serve para demarcar no chão espaço suficiente para duas pessoas, de forma a manter outras afastadas.
“Foi uma oportunidade de refletir sobre o significado e o valor da distância, entendida não como afastamento, mas como autocuidado”, explica o arquiteto Agostino Ghirardelli, que trabalhou com um filósofo para conceber o produto.
Muitas das ideias nascem agora, mas tantas outras são releituras do que já existe. Sãoessas que despertam a atenção da crítica de design britânica Alice Rawsthorn.
Chamado de “hacking”, o movimento foi tema de debate entre ela e a curadora Paola Antonelli, do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), em uma live na quinta (21). As duas criaram o perfil Design Emergency, no Instagram, dedicado às respostas do design à pandemia.
“Hacking é como chamamos todo projeto de design que não tenha nascido novo, mas que tenha sido adaptado ou reinventado a partir de algo que já existe, como um objeto, um espaço, uma tecnologia, um ritual, uma habilidade”, definiu Rawsthorn.
“O hacking tem sido muito predominante nas respostas do design ao coronavírus. Porque esta crise trágica, aterrorizante e traumatizante que está acontecendo em uma velocidade alucinante requer soluções de design econômicas e eficientes”, afirmou.
Um dos projetos destacados por Antonelli foi o circuito criado por um médico de Bolonha, na Itália, que conseguiu dobrar a capacidade de um ventilador, equipamento caro e de difícil acesso na emergência sanitária. Outro mencionado foi a transformação de máscaras de mergulho em aparelhos para facilitar a respiração.
Mas muitos impactos do vírus seguem ainda sem respostas. Um deles é a volta às aulas com segurança. Outro, a transformação dos escritórios.
A suíça Vitra, uma das mais renomadas fabricantes de mobiliário do mundo, divulgou um relatório sobre as mudanças esperadas para os ambientes corporativos.
O texto conclui que o trabalho remoto vai se tornar prática dominante, que os espaços comuns serão redefinidos e que os cuidados com higiene vieram para ficar. Se tornarão mais comuns elevadores e portas de comando por voz, tecidos e carpetes perderão lugar para superfícies lisas e fáceis de serem limpas, e as divisórias serão grandes aliadas.
“Mesmo se tiver vacina, o escritório tradicional, para onde as pessoas vão, se deslocam, ficam o dia todo e depois voltam, nunca mais vai ser o mesmo. Acho que isso acabou para sempre, na maioria dos casos”, diz Fairs, do Dezeen, em uma das poucas previsões que faz com convicção.
Ele acredita que algumas empresas continuarão tendo escritórios, mas para funções como receber clientes, fazer reuniões e promover ocasiões sociais. “As maiores mudanças provocadas pela pandemia aconteceram quando milhões de pessoas começaram a trabalhar de casa. Acho que nunca mais vamos voltar à cena de ter uma mesa pessoal para cada funcionário estar ali das 9h às 17h”, avalia.