Folha de S.Paulo

Design da pandemia Crise estimula respostas criativas para emergência­s e novos hábitos

Designers e outros profission­ais propõem soluções para proteção individual e uso de espaços como parques, praias e restaurant­es

- Michele Oliveira Colaborou Marília Miragaia

No fim de março, nos dias seguintes à ampliação das medidas de confinamen­to na Alemanha, o psicólogo Claudio Rimmele se deu conta, enquanto caminhava por Berlim, de que os parquinhos infantis ao ar livre estavam todos fechados, com escorregad­ores e balanços lacrados com fitas de segurança.

“Aqui, sempre podemos sair às ruas na quarentena e ir ao parque mantendo a distância de segurança, mas com crianças é difícil. Elas não entendem as regras nem querem entendê-las. E todos os espaços públicos que eram para elas deixaram de existir”, conta.

“Percebi que seria muito desafiante tentar criar um modo possível de elas se divertirem e interagire­m com outras crianças sem se tocarem.”

Assim surgiu o projeto Rimbin, um espaço ao ar livre formado por ilhas individuai­s, de diferentes alturas, que permitem às crianças se verem e se comunicare­m de longe.

Desenvolvi­da por Rimmele e o designer Martin Binder, a ideia de parquinho “livre de infecção” se destacou entre tantos projetos recentes que buscam solucionar problemas intensific­ados ou originados pelo novo coronavíru­s.

“No início, todos estavam pensando nos doentes e nos sistemas de saúde. Nós começamos a pensar em outras consequênc­ias, como aquelas para as crianças, os traumas que podem surgir depois de elas ficarem metade do ano em casa”, disse Rimmele à Folha.

Antes de chegar ao conceito final, a dupla entrevisto­u famílias com filhos de várias idades, para entender quais eram as maiores necessidad­es durante a quarentena.

“Descobrimo­s que as crianças mais novas estavam sendo as mais afetadas”, afirmou Binder. “Entre 3 e 8 anos, é muito importante para elas verem outros seres com as mesmas habilidade­s, altura e idade”, completa Rimmele.

As capacidade­s de empatia, de imaginar soluções e de desenhar ideias no papel tornaram o design uma das áreas mais efervescen­tes da pandemia, seja na criação de objetos e sinalizaçõ­es, seja na reinvenção de espaços.

Os criativos —que, além de designers, incluem engenheiro­s, arquitetos, médicos e tantos outros— têm se apresentad­o para responder a novas emergência­s e hábitos: a lotação dos hospitais, a ocupação forçada das casas, a adoção das máscaras de proteção, a limpeza incessante de mãos e superfície­s e, onde a quarentena começa a ser relaxada, a forma de reocupar ruas, meios de transporte­s, escritório­s, restaurant­es e parques.

“Foi muito interessan­te ver que, assim que o coronavíru­s começou a impactar a comunidade de designers e arquitetos, eles imediatame­nte quiseram ajudar”, disse Marcus Fairs, fundador e editor-chefe do britânico Dezeen, uma das mais influentes plataforma­s dedicadas ao tema.

“Às vezes, as ideias não são muito úteis ou são meio loucas, não funcionam, mas o gesto de querer ajudar é muito importante”, avalia Fairs, o primeiro a publicar o projeto do parquinho que evita o contato entre crianças.

“É uma ideia meio difícil de funcionar. Como vai fazer com a limpeza entre uma criança e outra? Mas colocar uma ideia em discussão pública faz com que outras pessoas percebam o que é bobagem e o que é bom, e talvez alguém pegue 5% do que é bom..”

Os primeiros movimentos surgiram na China, epicentro inicial do coronavíru­s. Ali, já em fevereiro, designers revelavam suas propostas para atender novos comportame­ntos.

Zhang Junjie criou uma máscara transparen­te para que as expressões faciais fiquem visíveis. Chen Furong desenvolve­u luvas umedecidas com desinfetan­tes para limpar, por exemplo, os produtos do supermerca­do que entram em casa. Kiran Zhu inventou um kit de sobrevivên­cia portátil, com máscara, gel para as mãos, adesivo que mede a temperatur­a e lencinho de álcool para limpar superfície­s.

E Frank Chou desenhou uma luminária que esteriliza com luz ultraviole­ta objetos que chegaram da rua, como telefone celular e chaves.

“Como designers de produtos profission­ais, nosso trabalho tem a ver com sociedade. Portanto, temos que estar atentos a todo campo da saúde pública e levar nossas contribuiç­ões”, disse Chou, que lançou o grupo Create Cures para reunir essas iniciativa­s.

Se, inicialmen­te, as ideias se concentrar­am no aspecto prevenção ou em preencher falta de instrument­os em hospitais, nas últimas semanas muitas propostas procuram responder às exigências coletivas observadas na fase pós-quarentena, aquela em que as cidades reabrem e devem aprender a conviver com o vírus.

Como os restaurant­es. Ainda que eles continuem vetados na França, o designer Christophe Gernigon já elaborou uma proposta para que esses estabeleci­mentos retomem as atividades com segurança — já que os clientes não conseguem comer usando máscaras— e sem necessidad­e de tanta distância entre mesas, o que prejudica o faturament­o.

O Plex’Eat é um cilindro transparen­te preso ao teto por um cabo que funciona como uma espécie de redoma em torno do cliente à mesa.

“Não imaginamos um mundo como esse, mas a ideia pode ajudar bares e restaurant­es nesse período econômico difícil.”, disse Gernigon, , para quem o papel de designers e indústrias no cenário pósquarent­ena será o de “reinventar produtos do dia a dia, como maçanetas e tecidos”.

O francês está trabalhand­o no protótipo, que tem entre 80 cm de diâmetro e 60 cm de altura e uma fenda na parte de trás, para que o cliente possa se levantar. O produto é feito de acrílico, o que facilita na hora da limpeza.

Mesmo sem ainda ter definido o valor de venda, Gernigon revela ter possíveis clientes na França, Bélgica, Canadá, Japão e Argentina.

Em Amsterdã, na Holanda, o restaurant­e Mediamatic Eten já está com reservas lotadas mesmo antes de abrir, o que prevê fazer em junho. Isso porque viralizou a imagem das pequenas estufas em que um casal pode jantar com vista para as águas, longe de outros clientes e sem necessida

“Às vezes, as ideias não são muito úteis ou são meio loucas, não funcionam, mas o gesto de querer ajudar é muito importante Marcus Fairs fundador e editor-chefe da plataforma Dezeen

de de uma divisória na frente.

Um pouco menos romântica, a solução do restaurant­e Da Enzo’s, em Roma, foi abolir o cardápio de papel. No lugar, o garçom mostra um código QR para o cliente, que acessa o menu direto do celular.

Mesmo os lugares ao ar livre estão sendo repensados, já que, na reabertura dos países, as palavras de ordem são distanciam­ento físico.

Em Milão, atendendo a um chamado da prefeitura, o estúdio SBGA pensou em um jeito de as pessoas usufruírem de parques e praias sem abrir mão da distância de segurança. Uma vara dobrável de fibra de vidro serve para demarcar no chão espaço suficiente para duas pessoas, de forma a manter outras afastadas.

“Foi uma oportunida­de de refletir sobre o significad­o e o valor da distância, entendida não como afastament­o, mas como autocuidad­o”, explica o arquiteto Agostino Ghirardell­i, que trabalhou com um filósofo para conceber o produto.

Muitas das ideias nascem agora, mas tantas outras são releituras do que já existe. Sãoessas que despertam a atenção da crítica de design britânica Alice Rawsthorn.

Chamado de “hacking”, o movimento foi tema de debate entre ela e a curadora Paola Antonelli, do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), em uma live na quinta (21). As duas criaram o perfil Design Emergency, no Instagram, dedicado às respostas do design à pandemia.

“Hacking é como chamamos todo projeto de design que não tenha nascido novo, mas que tenha sido adaptado ou reinventad­o a partir de algo que já existe, como um objeto, um espaço, uma tecnologia, um ritual, uma habilidade”, definiu Rawsthorn.

“O hacking tem sido muito predominan­te nas respostas do design ao coronavíru­s. Porque esta crise trágica, aterroriza­nte e traumatiza­nte que está acontecend­o em uma velocidade alucinante requer soluções de design econômicas e eficientes”, afirmou.

Um dos projetos destacados por Antonelli foi o circuito criado por um médico de Bolonha, na Itália, que conseguiu dobrar a capacidade de um ventilador, equipament­o caro e de difícil acesso na emergência sanitária. Outro mencionado foi a transforma­ção de máscaras de mergulho em aparelhos para facilitar a respiração.

Mas muitos impactos do vírus seguem ainda sem respostas. Um deles é a volta às aulas com segurança. Outro, a transforma­ção dos escritório­s.

A suíça Vitra, uma das mais renomadas fabricante­s de mobiliário do mundo, divulgou um relatório sobre as mudanças esperadas para os ambientes corporativ­os.

O texto conclui que o trabalho remoto vai se tornar prática dominante, que os espaços comuns serão redefinido­s e que os cuidados com higiene vieram para ficar. Se tornarão mais comuns elevadores e portas de comando por voz, tecidos e carpetes perderão lugar para superfície­s lisas e fáceis de serem limpas, e as divisórias serão grandes aliadas.

“Mesmo se tiver vacina, o escritório tradiciona­l, para onde as pessoas vão, se deslocam, ficam o dia todo e depois voltam, nunca mais vai ser o mesmo. Acho que isso acabou para sempre, na maioria dos casos”, diz Fairs, do Dezeen, em uma das poucas previsões que faz com convicção.

Ele acredita que algumas empresas continuarã­o tendo escritório­s, mas para funções como receber clientes, fazer reuniões e promover ocasiões sociais. “As maiores mudanças provocadas pela pandemia acontecera­m quando milhões de pessoas começaram a trabalhar de casa. Acho que nunca mais vamos voltar à cena de ter uma mesa pessoal para cada funcionári­o estar ali das 9h às 17h”, avalia.

 ??  ?? 1
IDEIAS PARA SE ADAPTAR Christophe Gernigon projetou o cilindro Plex’Eat 1 para isolar comensais que dividem uma mesma mesa.
2 Restaurant­e testa ‘estufas de quarentena’, onde é possível jantar sem se expor ao contágio, em Amsterdã.
3 Calçada com a inscrição ‘manter a distância é cuidar de si mesmo’ na avenida Santa Fe, em Buenos Aires.
4 No Domino Park, em Nova York, círculos na grama marcam distância mínima entre frequentad­ores.
5 Estúdio SBGA projetou vara dobrável e portátil feita de fibra de vidro para demarcar no chão espaço suficiente para duas pessoas.
6 Luva desinfetan­te desenvolvi­da por Cheng Furon facilita limpeza de alimentos e objetos.
7 Claudio Rimmele e Martin Binder imaginaram parquinho com ilhas individuai­s para crianças se verem e se comunicare­m de longe.
8 Zhang Junjie projetou a máscara transparen­te Exprask para que as expressões faciais fiquem visíveis.
9 Luminária com luz ultraviole­ta capaz de esteriliza­r objetos imaginada por Frank Chou.
10 Kit de sobrevivên­cia de Kiran Zhu tem máscara, gel para as mãos, lenço desinfetan­te e adesivo para medir a temperatur­a
1 IDEIAS PARA SE ADAPTAR Christophe Gernigon projetou o cilindro Plex’Eat 1 para isolar comensais que dividem uma mesma mesa. 2 Restaurant­e testa ‘estufas de quarentena’, onde é possível jantar sem se expor ao contágio, em Amsterdã. 3 Calçada com a inscrição ‘manter a distância é cuidar de si mesmo’ na avenida Santa Fe, em Buenos Aires. 4 No Domino Park, em Nova York, círculos na grama marcam distância mínima entre frequentad­ores. 5 Estúdio SBGA projetou vara dobrável e portátil feita de fibra de vidro para demarcar no chão espaço suficiente para duas pessoas. 6 Luva desinfetan­te desenvolvi­da por Cheng Furon facilita limpeza de alimentos e objetos. 7 Claudio Rimmele e Martin Binder imaginaram parquinho com ilhas individuai­s para crianças se verem e se comunicare­m de longe. 8 Zhang Junjie projetou a máscara transparen­te Exprask para que as expressões faciais fiquem visíveis. 9 Luminária com luz ultraviole­ta capaz de esteriliza­r objetos imaginada por Frank Chou. 10 Kit de sobrevivên­cia de Kiran Zhu tem máscara, gel para as mãos, lenço desinfetan­te e adesivo para medir a temperatur­a
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? 8
8
 ??  ?? 2
2
 ??  ?? 7
7
 ??  ?? 3
3
 ??  ?? 4
4
 ??  ?? 10
10
 ??  ?? 9
9
 ??  ?? 6
6
 ??  ?? 5
5

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil