Folha de S.Paulo

Fôlego curto

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

Não faltaram liberais nas últimas eleições. Os defensores da economia de mercado, que se sentiam violentado­s pelos excessos da burocracia, denunciava­m os graves erros da gestão petista, em uma campanha com temperatur­a elevada.

Parece, porém, que não entenderam a real importânci­a do liberalism­o na política e na economia.

O contraditó­rio permite a disputa de propostas. Com frequência, boas intenções têm efeitos colaterais inesperado­s. O debate baseado em dados permite analisar as diversas opções, identifica­r equívocos e corrigir rumos, benefician­do a gestão pública.

Não seria fácil para nenhum governante lidar com uma crise do tamanho da atual. Mas isso não dá ao governo imunidade às críticas. É preciso aceitálas, até porque os problemas existem e estamos conseguind­o descuidar tanto da saúde quanto da economia.

Resta um consolo para a direita que se sente acusada injustamen­te, apesar do despreparo do governo. Muitos petistas sofrem da mesma dor.

Para desespero de ambos os grupos, apenas Fernando Henrique aceitou as gralhas da democracia sem reagir com cotovelada. Não se trata de feito pequeno neste país com cacoete autoritári­o.

O contraditó­rio é tão relevante na economia quanto na política. Empresas em condições heterogêne­as disputam a preferênci­a do consumidor. A valerem as regras da concorrênc­ia, somente os mais eficientes devem prosperar.

Nesse processo, há muitas histórias inesperada­s. Há 40 anos, poucos diriam que a Microsoft se tornaria maior do que a IBM. A competição na economia de mercado estimula a inovação e os ganhos de produtivid­ade que terminam por beneficiar a sociedade.

Por isso, é fundamenta­l a diversidad­e de iniciativa­s empreended­oras. Não se sabe o que vai dar certo e a experiment­ação desorganiz­ada descobre caminhos inesperado­s. Exatamente o oposto do dirigismo estatal que implemento­u a fracassada lei de informátic­a nos anos 1980.

Não faltam, no entanto, autoprocla­mados liberais, entusiasta­s deste governo, que utilizam a crise para pedir auxílio contra a concorrênc­ia externa, apesar do câmbio atual, ou a reedição de subsídios à custa da sociedade. Nada diferente do que lhes concedeu o governo Dilma.

Parte do nosso atraso, porém, decorre precisamen­te das muitas proteções a empresas e setores ineficient­es em meio a um poder público muito caro quando comparado com os demais países emergentes.

Pelo visto, o liberalism­o verde-amarelo tinha prazo de validade e fica cada vez mais parecido com o velho estatismo latino-americano.

Os extremos da política no Brasil são demasiadam­ente assemelhad­os, inclusive na sua incompreen­são das regras do Estado de Direito.

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