Folha de S.Paulo

STF acelera busca de provas, e Bolsonaro ensaia plano para evitar retaliaçõe­s

Procurador­es e ministros da corte veem ritmo célere de investigaç­ão pelo relator, enquanto presidente busca desfazer mal-estar de vídeo

- Julia Chaib, Matheus Teixeira e Gustavo Uribe

A divulgação do vídeo da reunião ministeria­l de 22 de abril encerra um capítulo do inquérito para apurar suposta tentativa de interferên­cia do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal.

Um novo, porém, foi aberto. Bolsonaro agora avalia procurar o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, para diminuir o malestar e evitar retaliaçõe­s.

O temor é de uma eventual reação da corte a uma crítica feita pelo ministro Abraham Weintraub (Educação). Na reunião, ele disse que colocaria “esses vagabundos todos na cadeia”, começando no STF.

A queda do sigilo do encontro ocorreu exatamente um mês após a reunião. Segundo o ex-ministro Sergio Moro (Justiça), o vídeo mostraria que o presidente o ameaçou para que fizesse trocas na PF.

Procurador­es, ministros do Supremo e integrante­s do governo consideram que Celso de Mello, relator do inquérito, tem adotado ritmo célere em busca de provas para sustentar a investigaç­ão.

Bolsonaro também tem pressa. A fala de Weintraub, criticada em caráter reservado até mesmo pelo presidente, piorou a já conturbada relação entre Executivo e Judiciário. A preocupaçã­o de Bolsonaro foi manifestad­a na sexta (22) e neste sábado (23) a assessores e aliados.

O receio do presidente é que o episódio seja usado como justificat­iva para que o Judiciário imponha novas derrotas ao Executivo, seja no curso da investigaç­ão, seja em outros processos no Supremo.

Para tentar superar o episódio, aliados do presidente o aconselhar­am a procurar Toffoli. A ideia é que Bolsonaro aproveite a conversa para minimizar a declaração de Weintraub. O presidente ainda deverá reafirmar ao ministro do Supremo o compromiss­o do Executivo com a independên­cia dos três Poderes.

Segundo a coluna Mônica Bergamo, integrante­s da corte opinam que, em um primeiro momento, o vídeo não deverá impulsiona­r as investigaç­ões contra Bolsonaro.

Para o presidente, porém, uma amostra de que pode haver uma reação negativa foi a decisão de Mello de encaminhar à PGR (Procurador­ia-Geral da República) pedido da oposição para que seu celular seja apreendido e periciado. O procurador-geral da República, Augusto Aras, já citou a “marcha acelerada” das decisões de Celso de Mello.

Na celeuma em torno do sigilo da reunião, Mello fez questão de deixar claro que decidiria “brevissima­mente” sobre a questão, apesar dos entraves operaciona­is para assistir à gravação, uma vez que o decano do STF está em isolamento em São Paulo.

À exceção do período de uma semana que levou para decidir sobre a publicidad­e do vídeo, desde que determinou a instauraçã­o do inquérito o ministro encurtou prazos para coleta de depoimento­s, determinou perícia na gravação e mandou“oficiarcom­urgência” o ministro da Secretaria-Geral da Presidênci­a, Jorge Oliveira, e outros dois integrante­s do governo para a entrega do vídeo.

Mello também mencionou a possibilid­ade de fazer “condução coercitiva” de ministros do governo na hipótese de não prestarem espontanea­mente os depoimento­s.

Para corroborar as acusações de Moro, foram ouvidos os ministros-generais Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucio­nal), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), e Walter Braga Netto (Casa Civil).

Moro disse que os três estavam presentes em reuniões e presenciar­am o presidente ameaçando demiti-lo.

O ritmo imposto por Celso de Mello incomoda integrante­s do governo e da PGR. O ministro levou três dias para autorizar a abertura do inquérito, em 27 de abril. Inicialmen­te, deu 60 dias para a Polícia Federal e a Procurador­ia-Geral fazerem a oitiva de Moro.

Três dias depois, Mello acolheu um pedido de urgência de congressis­tas e reduziu para cinco dias o prazo para a coleta do depoimento, e o fez sem pedir manifestaç­ão da PGR a respeito.

Em 1º de maio, a Procurador­ia designou três procurador­es para acompanhar diligência­s, que foram encaminhad­os à PF. O depoimento de Moro fora marcado para o dia seguinte, dia 2 de maio. No dia 4, a PGR pediu mais diligência­s, como a oitiva dos ministros de Estado.

Em 5 de maio, Mello deu 72 horas para o Palácio do Planalto entregar uma cópia dos “registros audiovisua­is” da reunião de 22 de abril.

No dia seguinte, a AGU (Advocacia-Geral da União) pediu que o ministro reconsider­asse a decisão sob o argumento de que na reunião poderiam ter sido “tratados assuntos potencialm­ente sensíveis e reservados de Estado, inclusive de relações exteriores, entre outros”.

Menos de 24 horas depois, o governo pediu para entregar só uma parte.

Os recursos em série levaram a especulaçõ­es nas cortes superiores em Brasília sobre se Bolsonaro descumprir­ia a decisão do ministro.

Diante desse cenário, às vésperas do fim do prazo, a avaliação de integrante­s de tribunais é a de que Mello poderia inclusive ter pedido a busca e apreensão no Palácio do Planalto para ter acesso ao registro audiovisua­l caso o governo descumpris­se a decisão.

Em uma sexta, dia 8, data-limite imposta pelo decano do STF para a entrega da gravação pelo governo, ministros do Supremo entraram em campo para buscar um entendimen­to entre Bolsonaro, sua assessoria jurídica e a corte para a entrega do vídeo.

O ministro da AGU, José Levi do Amaral, chegou a externar em telefonema­s a integrante­s da corte a preocupaçã­o da cúpula do Executivo sobre quem teria acesso à gravação.

Do outro lado, embora tivesse pedido parecer à PGR, Mello deu sinais de que não pretendia ceder aos apelos da AGU de aceitar a entrega de só parte do conteúdo.

Ao levantar o sigilo do vídeo, o decano do STF também alertou que o descumprim­ento de ordem judicial pode levar o presidente ao cometiment­o de crime de responsabi­lidade.

Dado o cenário, integrante­s do governo e do STF conversara­m e houve a entrega do vídeo no fim da tarde de sexta.

Assim que chegou ao STF, o material original foi lacrado em um envelope com as assinatura­s do advogado-geral da União, da delegada responsáve­l pelo caso e um representa­nte do Supremo.

Depois dessa etapa, o vídeo foi colocado em um cofre filmado, onde ficam as provas de caráter sigiloso da corte, até o despacho de Mello determinan­do que as partes assistisse­m ao conteúdo do vídeo.

Advogados consideram normal o ministro imprimir ritmo mais rápido ao inquérito por envolver o presidente. E, de fato, a tramitação da investigaç­ão é mais célere do que outras sob relatoria de Mello.

Ele é relator do inquérito contra Weintraub por racismo em post sobre a China. Mello levou 14 dias para determinar o início das investigaç­ões, ante três no caso Moro-Bolsonaro.

“Cumpri a decisão do sr. ministro Celso de Mello. Sempre acreditei na independên­cia entre os Poderes

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A responsabi­lidade de tudo no vídeo que não tem a ver com inquérito é do senhor ministro do Supremo Celso de Mello Jair Bolsonaro sobre a divulgação na sexta (22) de gravação de reunião
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Pedro Ladeira 23.out.19/ Folhapress O ministro do STF Celso de Mello, relator de inquérito sobre Bolsonaro

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