Pressão militar gestou artigo da Constituição usado em atos pró-golpe
O vago artigo da Constituição que trata do papel das Forças Armadas, hoje mencionado como argumento para intervenção militar por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, foi gestado sob forte pressão de oficiais militares sobre o Congresso no período imediatamente após o fim da ditadura.
O artigo 142 da Carta afirma que as Forças Armadas, além da defesa nacional, se destinam à “garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Esse formato amplia as atribuições para além de seu papel fundamental, o de defesa do território, e vai em direção oposta a de outros países que fixam preceitos mais restritos.
Em uma interpretação criticada por advogados e professores de direito, apoiadores das Forças Armadas mencionam o trecho da lei como uma espécie de dispositivo legal para a intervenção.
Desde a época dos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2015 e 2016, passando agora pelos atos próBolsonaro, a aplicação do artigo 142 virou quase um bordão de extremistas.
O item da Constituição também foi mencionado por Bolsonaro na reunião ministerial em abril, cujas imagens foram divulgadas na sexta-feira (22) por ordem do Supremo Tribunal Federal.
“Todo mundo quer cumprir o artigo 142. E, havendo necessidade, qualquer dos Poderes pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenham para reestabelecer a ordem no Brasil”, disse ele, ao rebater críticas à sua presença em atos com apoiadores da intervenção.
O acirramento do ambiente militar voltou a ganhar destaque, também na sexta, após declaração do general da reserva Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, “alertando” de que eventual apreensão do celular de Bolsonaro em investigação poderia gerar “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.
Na gênese da formulação do artigo sobre os militares na Constituição, na Assembleia Constituinte de 1987 e 1988, o meio político vivia sob clima de transição democrática, fortemente influenciada por militares que haviam governado o país até 1985, quando José Sarney assumiu a Presidência.
Estabelecer formalmente na lei a possibilidade de influência das Forças Armadas sobre assuntos internos, como “a garantia dos poderes”, era seguir o que já havia se tornado praticamente uma tradição no país. A Constituição formulada nos anos 1960, durante a ditadura, já adotava essa linha, assim como as cartas de 1946 e 1891.
Já desde o anteprojeto em uma subcomissão da Constituinte, em 1987, a expressão “lei e ordem” constava no texto de proposta.
A comissão que tratava do assunto, aliás, era comandada por um antigo peso-pesado do antigo regime, o senador Jarbas Passarinho (então no PDS do Pará), ex-ministro signatário do AI-5 (Ato Institucional nº 5), em 1968, e coronel da reserva.
O porta-voz das demandas militares era o general Lêonidas Pires Gonçalves, ministro do Exército de Sarney.
Em agosto de 1987, a Folha noticiou que Pires Gonçalves havia reclamado em reunião a portas fechadas com o ministério que o governo não estava conseguindo ver suas posições refletidas nos trabalhos da Constituinte e que uma minoria de ativistas se sobrepunha aos moderados.
No lado dos opositores, uma das principais vozes na Constituinte era a do então deputado José Genoino, que posteriormente seria presidente do PT e condenado no escândalo do mensalão.
“É em nome da ‘ordem’ que em muitos momentos acontecem intervenções militares, golpes militares, golpe de Estado. Porque, muitas vezes, o juízo subjetivo dos militares é que eles podem rasgar o texto constitucional para defender a ‘ordem’”, dizia o petista.
Ele articulou mobilização para substituir a expressão “lei e ordem” por “ordem constitucional”, tese que provisoriamente prevaleceu.
Quem apoiava o uso da expressão “lei e ordem” dizia que ela serviria, por exemplo, para que houvesse presença militar em crises nos estados e na segurança de eleições.
A deputada federal baiana Lídice da Matta (PSB), que participou da Constituinte pelo PC do B, diz que havia uma disputa significativa “para diminuir a influência militarista na Constituição”, em meio à