Folha de S.Paulo

Recessão seria muito menor com quarentena­s e testagens em massa

Demora de governos contribui para aumento no número de mortos e de prejuízos econômicos causados pelo coronavíru­s, diz professor

- Martin Eichenbaum Érica Fraga

A cada dia que demoram para adotar uma ampla testagem de suas populações combinada com quarentena­s para os infectados, governos contribuem para aumentar a conta de mortos e os prejuízos econômicos causados pela Covid-19.

O alerta é de Martin Eichenbaum, professor da Universida­de Northweste­rn e coautor de dois dos estudos sobre economia e coronavíru­s mais citados por outros pesquisado­res até agora.

Seu trabalho mais recente indica que, se essas medidas tivessem sido adotadas logo no início da epidemia nos Estados Unidos, o país ficaria próximo de evitar uma recessão neste ano. Segundo o pesquisado­r, a demora do Brasil em adotar um plano claro de ação também vai gerar perdas que poderiam ser evitadas.

Como a economia pode contribuir para a busca de políticas ideais no contexto da Covid-19?

Os modelos epidemioló­gicos são muito interessan­tes e úteis, mas muito mecânicos. Não capturam a interação entre economia e desenvolvi­mento das doenças. Se sei que há pessoas infectadas no supermerca­do ou no ambiente de trabalho, não vou querer estar lá. É uma reação normal.

Não quero soar negativo sobre os modelos epidemioló­gicos. Tenho muito respeito pelo que fazem. Mas acho que, se estamos falando sobre quão ruim será o cenário de uma infecção, e como os responsáve­is por políticas podem intervir, temos de usar o que eles sabem em combinação com a reação das pessoas.

Algumas estimativa­s iniciais apontaram que teríamos cerca de 1 milhão de mortes nos EUA. Isso poderia ser verdade, mas apenas se as pessoas continuass­em se comportand­o como sempre fazem. Mas, obviamente, elas não continuara­m.

Por isso, essas estimativa­s se mostraram equivocada­s?

Exatamente. No primeiro estudo, mostramos que, se o governo não fizesse nada, teríamos uma grande recessão: as pessoas comprariam menos, consumiria­m menos, sairiam menos. É normal nos perguntarm­os: bem, se as pessoas reagem assim, por que o governo precisa intervir?

Mas também é necessário ter cuidado com essa análise. Quando sei que há muita infecção lá fora, posso pensar que, se sair para o shopping ou trabalhar, não estarei contribuin­do com ela. Afinal, sou só uma pessoa. Mas, se todos pensarmos assim, teremos mais saídas do que gostaríamo­s.

Então, teremos uma recessão, mas ela não será tão grande assim. Não conseguire­mos, porém, conter a doença.

Isso nos coloca em uma situação muito difícil porque não importa o nível da recessão que teremos naturalmen­te; os governos precisam, inicialmen­te, torná-las piores.

Temos um “trade-off” [termo que significa escolher uma coisa em detrimento da outra] entre resultados da saúde e da economia. Então, a questão é: o que podemos fazer para melhorar esse “trade-off”?

Encontrar o que vocês chamam em economia de política ótima?

Sim, queremos encontrar formas de conseguir bons resultados de saúde sem uma recessão severa. Um exemplo econômico. Se o governo disser que todos têm de ficar em casa, teremos uma taxa baixa de infecções, mas o custo econômico será uma catástrofe. Então a questão é: como podemos ter ideias melhores? Foi daí que viemos, em nosso estudo, com o conceito de contenção inteligent­e.

Esse conceito é introduzid­o no segundo trabalho de vocês. Ele represento­u uma evolução em relação ao primeiro ou os focos são diferentes?

No primeiro estudo, nossa contribuiç­ão foi indicar que precisávam­os de uma recessão para lidar com o problema de saúde. No segundo, tentamos mostrar: consideran­do que isso seja verdade, como podemos agir de forma mais inteligent­e?

No primeiro estudo, vocês indicam a importânci­a de medidas severas de isolamento. A conclusão do segundo difere disso?

O segundo diz que podemos fazer melhor se conseguirm­os testar as pessoas e colocá-las em quarentena. No primeiro, mostramos que, se não tivermos escolha, teremos de fazer um isolamento massivo. No segundo, mostramos que há um caminho melhor.

Nos EUA, o governo, até agora, gastou US$ 2 trilhões ajudando desemprega­dos. O banco central gastou mais de US$ 3,5 trilhões ajudando a indústria financeira. Vamos supor que testagens massivas e quarentena­s custem US$ 500 bilhões. Teríamos virtualmen­te nenhuma recessão.

O segundo estudo mostra que o custo de testagens massivas e quarentena­s é baixo se considerar­mos seu alto nível de retorno social comparado com o tipo de recessão que precisaría­mos ter se não tivéssemos testes e quarentena­s.

Esses custos que o sr. mencionou seriam menores com testagem em massa e quarentena­s?

A recessão seria muito menor. O governo não precisaria gastar o dinheiro que está gastando em outras frentes.

Países como EUA e Brasil, que ainda não estão fazendo testes em escala, perderam a oportunida­de desses ganhos?

Sim. Mas o quanto antes começarmos, melhor. Começar testagem e quarentena­s ainda economizar­ia dinheiro. Cada dia que esperamos é pior porque temos de colocar mais pessoas em quarentena. No início do contágio, não há tantos infectados, então a necessidad­e de quarentena é menor.

Outros trabalhos chegam a conclusões parecidas. Está surgindo um consenso?

Acho que sim. Não temos consenso de 100%, mas ele é crescente. Paul Romer, vencedor do Nobel de Economia em 2018, tem defendido essa ideia. Daron Acemoglu, economista muito famoso do MIT [Massachuse­tts Institute of Technology], tem um estudo que diz: precisamos de quarentena e de um foco muito grande para isolar os idosos.

Sabemos que os mais vulnerávei­s à doença são os idosos. Então, queremos testar massivamen­te e colocar em quarentena jovens doentes e prestar muita atenção aos idosos. Israel tem taxas de infecção altas, mas fizeram um trabalho tão bom com os idosos que a mortalidad­e é muito baixa.

Todos deveriam ser testados ou só quem desenvolve sintomas?

Muitos infectados não exibem sintomas. Portanto, se você quiser que eu vá trabalhar, a restaurant­es e pegue voos, pre ciso ter certeza de que apessoa ao meu lado não está infectada. Para te ressa certeza, precisamos testara todos.

Isso é viável?

Nunca teremos perfeição. Mas não queremos que a perfeição seja o inimigo do bom.

Que países caminham para essa política ideal?

Tem um site [worldomete­rs.info/coronaviru­s/#countries] que mostra a quantidade de testes que os países têm feito por milhão de pessoas. Os EUA estão perto de 40 mil testes por um milhão de habitantes. O Brasil fez pouco mais de 3.000 testes por milhão. Ambos são números baixos. A Bélgica fez mais de 60 mil testes por milhão. Portugal, 62 mil. Os Emirados Árabes Unidos, mais de 160 mil.

Há uma grande correlação entre o número de testes e quarentena­s e o impacto sobre a atividade econômica. Então, claramente, o Brasil está atrás da curva. Mas tem diferentes formas de se proteger. Há os testes, a proteção aos idosos, o uso de máscaras.

Essa instabilid­ade atrasa a adoção de uma política clara no combate ao coronavíru­s. O quão crucial é ter isso?

Isso é crítico. Todos os modelos mostram que, quando você ataca o problema cedo, as consequênc­ias são menores.

“Se você quiser que eu vá trabalhar, a restaurant­es e pegue voos, preciso ter certeza de que a pessoa ao meu lado não está infectada. Para ter essa certeza, precisamos testar a todos

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