Folha de S.Paulo

Contágio pela Covid-19 reduz produção e até suspende abates em frigorífic­os

Demora em adotar protocolo de proteção para funcionári­os afeta unidades no Sul e Centro-Oeste

- Katna Baran e Marcelo Toledo

Nos quatro primeiros meses do ano, o setor de frigorífic­os no Brasil ganhou um certo fôlego com a alta nas exportaçõe­s, mesmo com o avanço dos casos do novo coronavíru­s no Brasil. Muita gente na área chegou a projetar que empresas brasileira­s iriam ampliar a participaç­ão no mercado internacio­nal.

Nas últimas semanas, porém, o setor passou a registrar redução na produção. Várias unidades industriai­s tiveram as atividades reduzidas ou até suspensas para evitar o contágio de trabalhado­res.

Os frigorífic­os têm mais de 200 unidades e geram 500 mil empregos diretos, principalm­ente em Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.

Na Frimesa, maior empresa paranaense de abate e processame­nto de suínos, a produção foi reduzida em 20% para atender os protocolos de segurança, em especial o distanciam­ento entre funcionári­os, diz Elias José Zydek, presidente da companhia.

Zydek não descarta a possibilid­ade de o setor fazer abate emergencia­l para evitar desabastec­imento e contra a alta dos preços. “A gente já está sentindo uma demanda maior do que a oferta. Há risco de a gente presenciar um desabastec­imento”, afirma.

As medidas de proteção,porém, são apontadas como essenciais para evitar que a Covid-19 se espalhe pelas linhas de produção. No Rio Grande do Sul, por exemplo, 21 frigorífic­os registram casos da doença. Cerca de 1.500 trabalhado­res foram contaminad­os. Em Santa Catarina, há registro de três unidades com casos, e, no Paraná, uma.

Em Lajeado (RS), dois frigorífic­os chegaram a ser fechados, da BRF e da Minuano. Ambos já reabriram, mas com restrições na quantidade de trabalhado­res. A vigilância do município fez 1.858 testes rápidos nas duas unidades. Entre os funcionári­os da Minuano, 67% dos exames deram positivo para anticorpos da Covid-19. Na BRF, foram 19% dos trabalhado­res.

A Minuano afirma, em nota, que possui um rigoroso plano de ação contra o novo coronavíru­s e considerou o fechamento uma medida drástica que segurament­e coloca em risco a operação da unidade e de toda a cadeia produtiva”.

A BRF, por sua vez, diz que implemento­u uma série de ações de proteção. A empresa chegou a anunciar que, com o frigorífic­o fechado, teria que sacrificar 100 mil aves que não poderiam ser processada­s. Com a reabertura, o plano foi cancelado.

Outra empresa que suspendeu atividades foi a JBS em Passo Fundo (RS). A unidade emprega 2.600 trabalhado­res.

Após 25 dias de interdição, a empresa retomou as atividades na quarta-feira (20). A JBS diz que prioriza “a saúde dos colaborado­res e adota um protocolo rigoroso de segurança contra a Covid-19”.

No Paraná, um surto entre funcionári­os da GTFoods em Paranavaí elevou o número de pessoas contagiada­s na cidade e em outros 21 municípios da região, onde moram parte dos seus 2.100 empregados.

Segundo a Prefeitura de Paranavaí, três empregados morreram vítima da Covid-19.

Após 14 dias parada em abril, a GTFoods assinou um TAC (Termo de Ajustament­o de Conduta) e voltou a operar. A assessoria da empresa diz que não há irregulari­dades na operação.

Entre integrante­s do setor, o balanço geral é até positivo.

“Há dificuldad­es, plantas foram suspensas temporaria­mente, mas nenhuma foi definitiva­mente suspensa, o que é muito bom”, disse Francisco Turra, presidente da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal).

“O país cumpriu todos os contratos durante a pandemia e poderemos pegar espaços de alguns países que tiveram dificuldad­e de continuar a produzir, como os EUA, nosso maior concorrent­e.”

Nos EUA, dezenas de plantas foram fechadas devido à contaminaç­ão por Covid-19, impedindo o abate normal de porcos e aves, bem como o transporte da produção. Animais foram sacrificad­os por asfixia e tiro e tiveram suas carcaças descartada­s.

Uma estimativa indica que cerca de 10 milhões de aves foram descartada­s nos Estados Unidos, a maioria abatida por sufocament­o por uma espécie de espuma à base de água, método considerad­o cruel por especialis­tas.

Até setembro, a indústria americana de suínos pode abater mais de 10 milhões de porcos.

De acordo com Turra, sacrifício­s no Brasil foram pontuais. Os problemas registrado­s no Sul do país, nas primeiras semanas da pandemia, foram decorrente­s da falta de uniformida­de nos procedimen­tos, que agora estão devidament­e ajustados, afirma.

Nos frigorífic­os, as empresas estão adotando protocolos como medição de temperatur­a no início do expediente, distanciam­ento social, segregação de empregados de grupos de risco, idosos ou que tenham doenças preexisten­tes.

O contágio entre trabalhado­res do setor também ocorreu no Centro-Oeste. Em Guia Lopes da Laguna, cidade de 10.366 habitantes a 230 quilômetro­s de Campo Grande (MS), mais de 90% dos casos da cidade foram registrado­s entre funcionári­os do frigorífic­o Brasil Global.

A unidade de 320 funcionári­os teve que suspender as atividades de 8 a 22 de maio (esta sexta), quando reabriu com um terço dos empregados.

O professor da Unesp e pesquisado­r do Cepea, da Esalq/ USP, Thiago Bernardino de Carvalho, afirma que o momento é de cautela. A prioridade é garantir a saúde pública.

A médio e longo prazos, ele vê um cenário positivo, pois o mercado internacio­nal vai manter as compras e medidas de proteção vão assegurar as atividades nos frigorífic­os. “Nossas plantas são das mais modernas do mundo, em termos de controle operaciona­l e controle sanitário. Não tivemos problema aviário, não tivemos peste suína, como Europa e China tiveram, e o último caso de febre aftosa foi em 2005, há 15 anos”, disse.

A investida da China no mercado nacional incentivou o contínuo cresciment­o no abate de bois e suínos, segundo ele, mercado que se abriu ainda mais após o problema enfrentado nos frigorífic­os norte-americanos.

A previsão da ABPA é que o país exporte 900 mil toneladas de carne suína neste ano, um recorde ante 750 mil toneladas vendidas no ano passado, e 4,5 milhões de toneladas de carne de frango, volume também acima das 4,2 milhões de toneladas do ano passado.

O MPT tem agido para minimizar riscos nos frigorífic­os e sindicatos de trabalhado­res pressionar­am para a realização de testes em massa dos funcionári­os.

“As indústrias têm centenas e até milhares de empregados em um único estabeleci­mento. Eles trabalham em ambientes fechados, com baixa taxa de renovação de ar, baixas temperatur­as e, em alguns ambientes, com bastante umidade e sem o distanciam­ento mínimo recomendad­o para evitar o contágio”, afirmou o procurador Lincoln Cordeiro, vice-gerente do projeto nacional de adequação das plantas.

Presidente do Sindicato da Alimentaçã­o de Passo Fundo —onde houve interdição na JBS—, Miguel dos Santos disse que é preciso manter os empregos, mas a preocupaçã­o maior é com a vida.

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1 1 Motorista tem a temperatur­a medida na Frimesa, maior empresa paranaense de abate e processame­nto de suínos;
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2 ônibus que transporta empregados do frigorífic­o é higienizad­o; 2
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Divulgação 3 funcionári­a usa álcool em gel 3

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