Folha de S.Paulo

Coronavíru­s chega a tribo em área isolada de SP, que barra brancos

- Artur Rodrigues e Lalo de Almeida

Os portões da aldeia Krukutu, em área isolada de Parelheiro­s (extremo sul de São Paulo), estão fechados com cadeado. Na entrada, uma placa avisa que a entrada de estranhos é proibida devido ao coronavíru­s.

Mesmo com o isolamento geográfico e a quarentena, o coronavíru­s chegou à aldeia. Um grupo de índios contaminad­os está isolado em uma escola, enquanto os demais passam por testes.

Na Krukutu, a cerca de 40 km do centro, moram aproximada­mente 30 guaranis. A terra fica na área de Proteção Ambiental Capivari - Monos, às margens da represa Billlings, na divisa com São Bernardo do Campo.

A terra indígena fica a 16 km do centro de Parelheiro­s, bairro do extremo sul onde as mortes ligadas ao coronavíru­s (suspeitas ou não) mais crescem —elas subiram 142% na primeira quinzena de maio.

Dentro da unidade, o clima é de apreensão. Na terça-feira (19), a educadora Janinha Gabriel, 42, chegou ao local desesperad­a, procurando líderes da aldeia. Ela teve o filho e um genro infectados. “Meu filho está em casa ainda, mas vai ser trazido daqui a pouquinho para o isolamento. Meu genro já está isolado”, diz. “Não sei como eu faço, estamos isolados aqui”, diz ela, que chora ao falar da situação.

Na aldeia, há um posto de saúde que auxilia no tratamento e na testagem. O Ceci (Centro de Educação e Cultura Indígena Krukutu), que teve as aulas interrompi­das, tem servido para abrigar os casos confirmado­s.

Segundo moradores, ao menos três pessoas já tiveram a infecção confirmada.

Eles não sabem dizer, porém, quantos são os casos suspeitos. A maioria das famílias que vivem ali já foram testadas e os resultados devem sair em breve.

As visitas de turistas, nas quais os índios divulgam sua cultura e vendem artesanato, foram todas canceladas.

“A gente fechou o portão para os brancos não chegarem aqui. Como a gente mora no meio da floresta, tem uma tranquilid­ade melhor. Porque a gente vê que na cidade a coisa está feia. Como as casas são uma longe da outra, a gente fica mais prevenido”, diz o escritor Olívio Jekupé, 54, morador da tribo.

Ele afirma que o modo de viver dos indígenas favorece a quarentena. “Na prática, a gente já vive numa quarentena, porque a gente já tem esse costume de ficar isolado”.

Jekupé afirma que, embora a aldeia esteja assistida por médicos, o conhecimen­to indígena também ajuda.

“Tem um postinho de saúde, que tem uma equipe médica que trabalha de segunda a sexta. A gente sempre tem a parte do branco, mas a gente tem o pajé, que tem esses conhecimen­tos de remédio, porque a gente tem que fazer tudo junto”, diz.

“Onde branco vê mato, para nós é remédio. Se você anda pelo mato está cheio de remédio. O remédio, se você toma, de repente se você pegar [coronavíru­s] ele vai ajudar a equilibrar”, diz Jekupé, que não quis dizer os nomes das ervas, temendo que alguém resolva patenteá-las.

Em abril, os habitantes da Terra Indígena do Jaraguá, também em São Paulo, divulgaram que a doença chegou até lá. Segundo o setor de saúde indígena do Ministério da Saúde, no país houve ao menos 526 casos confirmado­s entre indígenas, com 27 óbitos.

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Lalo de Almeida/Folhapress Janinha Gabriel na entrada da aldeia

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