Folha de S.Paulo

Mestre das palavras, deu à vida a emoção e humor

- Patrícia Pasquini coluna.obituario@grupofolha.com.br NORMA VASQUES DOMINGUEZ Neste domingo (24/5) às 18h, Igreja Nsa. Sra da Saúde, r. Domingos de Morais, 2.387, Vila Mariana

RONAN SOARES (1939-2020)

O jornalista Ronan Soares tinha a alma leve. Carregava nela a emoção do tango de que tanto gostava. Levou a precisão e a paixão presentes na música para a carreira que escolheu, de jornalista.

Foi em sua terra natal, Araxá (MG), que Ronan entrou na profissão, com inteligênc­ia, competênci­a e uma generosa pitada de humor.

Serviu de inspiração aos filhos, que herdaram de Ronan o prazer de casar as palavras para contar histórias.

O início foi como repórter, época em que conseguiu alguns furos importante­s, como a frase dita pelo general Olímpio Mourão Filho – “Em matéria política, sou uma vaca fardada” - no momento em que a grande questão era se Castello Branco prorrogari­a o mandato ou não. Ronan sabia misturar a doçura ao jeito simpático do mineiro. Assim, conquistav­a a confiança até de militares e conseguia acesso à informação.

A primeira grande reportagem de sua vida foi a inauguraçã­o de Brasília. O primeiro furo surpreende­u até seu chefe. Ronan anunciou a renúncia do presidente Jânio Quadros duas horas antes de ela acontecer.

Ele também foi o chefe que todos gostariam de ter. Sereno, estendia a mão aos iniciantes e lhes oferecia a calma e o apoio de que necessitav­am.

O olhar delicado e preciso para o próximo era um dos ingredient­es do grande contador de histórias que se tornou. Em Araxá, era tradição sentar-se à mesa de queijos e vinhos com a família para contar e ouvir causos.

Ronan deixou sua marca em veículos como O Estado de S. Paulo e O Globo. Teve passagem importante pelo Jornal Nacional e por outros programas. Além disso, contribuiu para as produções da GloboNews, como o Estúdio i.

“Ele era um frasista”, diz o filho, o jornalista Marcel Souto Maior, 53.

“As palavras foram o único brinquedo que guardei da minha infância.” Da autoria de Ronan, a frase foi gravada em sua lápide.

Em sua carteira, guardava um papel amarrotado pelo tempo, mas de valor inestimáve­l: uma frase criada por Guimarães Rosa, anotada quando o abordou para pedir uma dedicatóri­a durante o lançamento de um livro em Brasília.

“De nuvem a nuvem o céu se faz.” Guimarães Rosa disse a ele que havia inventado a frase naquele momento. E completou: “se não fossem as nuvens, seria só o infinito”. O escritor morreu um mês depois. Ronan Soares morreu dia 30 de abril, aos 80 anos, de infecção. Deixa esposa, três filhos, seis netos e um grande legado no jornalismo.

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