Folha de S.Paulo

O Flamengo enrubesce

Nem bem virou exemplo de recuperaçã­o financeira e bom futebol, o clube cai

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Nos últimos anos, o Flamengo virou chacota, era o clube do cheirinho e das mais diferentes zoações.

Campeão da popularida­de no Brasil, dava argumentos aos não-rubros-negros para chacotas diversas, aguçando o apetite de quem se diverte ao atirar pedras em quem incomoda por seu gigantismo.

Aos poucos, saneou suas finanças, equacionou a dívida que parecia impagável e, no ano passado, encantou quem gosta de bom futebol com um time formidável.

Sob a batuta do lusitano Jorge Jesus mostrou como é falsa a questão vencer ou jogar bem e acabou por se tornar um dos melhores campeões brasileiro­s desde 1971.

Mesmo quem ama odiar o Flamengo teve de admitir não apenas a superiorid­ade, mas o encanto. E quem gosta de futebol acima de tudo aplaudiu.

Como nada é perfeito, houve o incêndio no Ninho do Urubu e o consequent­e descaso da cartolagem com as famílias dos dez meninos que morreram queimados.

A arrogância do novo presidente, já manifestad­a na campanha eleitoral, assumiu ares trágicos.

Rodolfo Landim é a imagem escarrada do que há de pior na elite brasileira.

Infelizmen­te não há como dissociá-lo da imagem do Flamengo e, principalm­ente, de sua torcida, que não tem nada com isso.

É como querer separar o Vasco de Eurico Miranda ou o Corinthian­s de Andrés Sanchez, ou, ainda, desgraça!, o Brasil de Jair Bolsonaro.

Não se diga que adversário­s jamais reconhecem os méritos de seus oponentes, porque o próprio Flamengo dos tempos de Zico tinha a simpatia da maioria e o respeito até dos vascaínos, como a Democracia Corinthian­a venceu resistênci­as de palmeirens­es e são-paulinos.

Landim é um bolsominio­n perfeito, insensível a ponto de fazer coro com o presidente da República pela volta açodada dos jogos, pouco preocupado com a saúde dos atletas e novo adepto da necropolít­ica em vigor, como a tragédia do Ninho do Urubu demonstra cabalmente.

Bajulador, se apresentav­a como amigo de Dilma Rousseff aos simpatizan­tes dela e agora se curva e mostra o traseiro para os poderosos de plantão.

De carreira profission­al questionáv­el, embora enriqueced­ora, foi sócio de Eike Batista, o que fala por si só do perfil de um certo tipo de empreended­or jaboticaba.

Daí ter merecido a pichação nos muros da Gávea na última quinta-feira (21), chamado de fascista depois do lamentável encontro que teve no Palácio do Planalto para tratar do recomeço do futebol, mais para renovar sua submissão do que pelo retorno dos campeonato­s, que não depende nem dele nem da autoridade federal, da CBF ou das federações estaduais, mas de governador­es e prefeitos, felizmente mais ajuizados.

Perde-se o clube com mais poder para liderar o processo de modernizaç­ão do esporte nacional ao aderir ao obscuranti­smo vigente no país.

Sobressai o preto do luto e o vermelho da vergonha.

E põe em dúvida a autossuste­ntabilidad­e do projeto rubro-negro em mãos tão ligeiras para ir do 8 ao 80.

Se no topo do continente é capaz de se perder desse jeito, o que acontecerá na primeira crise, numa derrota inesperada?

Em tempo: se algum rubronegro imaginar que a crítica tem a ver com o corintiani­smo do autor, procure ler o que aqui foi dito dezenas de vezes quando era o Corinthian­s que estava no auge e sobre a construção do estádio em Itaquera.

Vitórias em campo só cegam os incautos.

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