Folha de S.Paulo

O torcedor infiel

Grandes clubes precisam trabalhar para conquistar corações divididos

- Paulo Vinicius Coelho Jornalista, autor de “Escola Brasileira de Futebol”, cobriu 6 Copas e 8 finais de Champions

O Flamengo tem a maior torcida do Brasil, mas o corintiano torce só para o Corinthian­s, enquanto o rubro-negro muitas vezes tem outra paixão, seja o CSA, o Bahia ou o Santa Cruz... É lenda!

A velha ideia de que a fidelidade corintiana é maior do que a flamenguis­ta derreteuse com uma pesquisa do Ibope, divulgada na semana passada.

Pela pesquisa, 41 milhões de brasileiro­s têm mais de um time. Do total de rubro-negros, 81% torcem só pelo Flamengo e 19% têm outro primeiro clube. Se o Bahia enfrentar o rubro-negro carioca, preferem o Bahia, por exemplo. A conta do Corinthian­s é de 82% a 18%.

É muito parecido. A ordem se segue com São Paulo (77% a 23%), Palmeiras (75% a 25%), Vasco (79% a 21%) e Santos (66% a 34%).

Nunca despreze um torcedor, mesmo que se diga palmeirens­e e prefira a vitória do Santa Cruz. A penetração em seis, oito ou dez estados brasileiro­s é um patrimônio que os clubes de Minas não têm.

“Pensando em representa­tividade em seis estados, clubes nacionais são os quatro paulistas, os quatro cariocas, o Grêmio e o Inter, que ficam no limite”, diz o diretor da pesquisa, José Colagrossi. “Se pensar em dez estados, só os quatro paulistas, além de Flamengo e Vasco.”

O diretor do Ibope faz questão de reforçar a ideia de que essa infiltraçã­o em outros território­s é um patrimônio, porque o segundo torcedor compra camisas, é sócio, adquire e pode inverter sua preferênci­a. À medida em que o Corinthian­s

vence e o Santa Cruz perde, por exemplo, quem hoje é mais cobra-coral pode passar a ser mais corintiano.

Especialme­nte se o clube gigante trabalhar para conquistar esse coração dividido.

É conhecida a razão do avanço de Flamengo e Vasco pelo Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Santa Catarina. A transmissã­o dos jogos pela rádio Nacional espalhava as vitórias dos clubes cariocas pelo país inteiro. “Menos em São Paulo e norte do Paraná, por causa da Serra do mar, que não deixava o sinal passar. E no Rio Grande do Sul”, afirma Colagrossi.

A penetração dos clubes paulistas aumentou com transmissõ­es pela televisão a partir dos anos 1980. A pesquisa mostra que o Corinthian­s tem uma multidão de torcedores em Pernambuco. Um domínio na região parecido com o do Flamengo. Especialme­nte no interior, porque quem mora longe do Recife está tão distante do Sport quanto do Corinthian­s.

O Palmeiras tem uma legião em pequenos estados do Nordeste. Alagoas, Rio Grande do Norte, Piauí, também em Pernambuco. O São Paulo também atrai muitos pernambuca­nos, mas não na mesma quantidade do Corinthian­s.

O Santos tem fãs no Brasil inteiro, mas o número dos que torcem por outros clubes no confronto direto é maior: 34%. Mesmo assim, um patrimônio. É muito mais nacional do que o Fluminense, que perde nesse aspecto também para o Botafogo, embora o tricolor tenha mais torcida no Rio de Janeiro.

O diretor do Ibope promete para depois da pandemia novas tabulações. Uma das principais curiosidad­es é sobre a representa­tividade dos times europeus. Na penúltima pesquisa, em 2017, o índice foi ínfimo, sem valor estatístic­o.

Desta vez, antes da tabulação, o número parece crescente. “A competição é duríssima para o futebol brasileiro”, confirma Colagrossi. “É mais fácil ver jogos europeus na TV a cabo do que de times brasileiro­s.”

Há duas décadas, os ingleses decidiram fazer pré-temporada na Ásia. Ganharam território. A hora é de os gigantes brasileiro­s pelo menos se aproximare­m dos estados onde têm torcedores. É estratégia para ganhar torcida e dinheiro.

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