Franqueza inédita de Jordan fala mais alto que defeitos de série
Entrevistas do astro do basquete dão ao documentário um peso duradouro, apesar do seu controle sobre ele
the new york times Mesmo com um impecável histórico, Michael Jordan dificilmente conseguirá calar completamente o debate sobre quem foi o maior jogador de basquete de todos os tempos.
Sempre haverá quem prefira Bill Russell, Kareem Abdul Jabbar ou, sim, até mesmo LeBron James.
Mas uma sucessão de vitórias como a dele gera imensos privilégios. Nenhum outro dos luminares da história da liga conseguiu aquilo que Jordan acaba de realizar.
Ele fez com que a NBA guardasse imagens inéditas de bastidores de sua sexta e última temporada campeã pelo Chicago Bulls, em 1997/1998, por mais de 20 anos, e depois disso conseguiu que a série em dez episódios que ele enfim aprovou sobre aquele período atraísse entre 4,9 milhões e 6,3 milhões de telespectadores por episódio nos EUA.
No Brasil, o conteúdo está disponível na Netflix.
À medida que avançamos na história de “The Last Dance”
[no Brasil chamada de “Arremesso Final”] , as críticas sobre o controle sem precedentes que Jordan —e dois de seus associados de negócios mais próximos, Estee Portnoy e Curtis Polk, atuando como produtores executivos —exerceram sobre o conteúdo vêm ganhando intensidade.
Os espectadores, porém, só queriam ver Jordan, sentado em uma poltrona e falando às câmeras com franqueza maior do que em qualquer momento do passado, não importa o que tenha tido de ser sacrificado para gerar essa situação.
As pessoas queriam recordar a sensação de comunhão em torno de uma experiência de basquete compartilhada, em meio a uma crise mundial de saúde, sabendo que ainda não está decidido quando o reality show dos playoffs da NBA com que contamos a cada abril, maio e junho voltará para ocupar o vazio.
Vão persistir questões sobre o “bullying” de Jordan contra colegas de equipe, mesmo quando ele estava claramente passando dos limites com Scott Burrell (e outros), e por que isso passou sem contestação durante 10 horas de narrativa. O mesmo se aplica à escassez de vozes que falem em defesa de Jerry Krause, o diretor-geral dos Bulls naquele período (morto em 2017).
Que o relacionamento entre Jordan e seus pais não tenha sido tratado na série, apesar do elo fortíssimo que ele tinha com seu pai, James, é outro motivo de crítica, da mesma forma que a recusa de Jordan em admitir sua influência na decisão de manter Isiah Thomas fora da equipe olímpica dos EUA em 1992 —algo que ele havia reconhecido previamente, em um livro.
Mas não considero que a produção seja apenas um infomercial promovendo o nº 23, ao contrário do que alguns dizem. Não estamos diante de um relato definitivo e balanceado, mas a franqueza de Jordan, nas três entrevistas que deu ao diretor de Jason Hehir, por um total de cerca de oito horas, dá ao documentário um peso duradouro.
Para convencer Jordan a conceder as entrevistas necessárias e que ele teria de
admitir que houve momentos em que foi um colega de equipe tirânico, Michael Tollin, da Mandalay Sports Media, um dos produtores executivos de “The Last Dance”, enfatizou fortemente, ao propor o projeto em 2016, que Jordan precisava do documentário.
Seria a oportunidade ideal, explicou Tollin, de informar devidamente uma nova geração de consumidores —pessoas que compram calçados com o nome de Jordan,
mas nunca o viram jogar.
O imenso sucesso comercial da série garante que a porta fique aberta para futuros projetos. Prepare-se para documentários, podcasts e livros que prometem um estudo mais rigoroso de, por exemplo, o preocupante hábito de Jordan de apostar em resultados de esportes, ou sua relutância em falar sobre questões políticas e sociais.
O problema com futuras produções que devem ser definidas
como “a verdadeira Last Dance” é que nenhuma delas terá cooperação nem próxima à oferecida por Jordan agora. Hehir e seus colegas tiveram de aceitar produzir a série nos termos ditados por Jordan para conseguir essa cooperação.
Mas conseguir isso depois de anos de virtual isolamento? Até mesmo Krause teria de reconhecer que qualquer um na NBA faria essa troca.