Folha de S.Paulo

GRUPO LEVA MÁSCARAS A PARAISÓPOL­IS

Grupo Periferia Inventando Moda quer produzir e distribuir 600 dos acessórios na favela neste mês

- Roberto de Oliveira

Modelos do PIM (Periferia Inventando Moda), da favela de Paraisópol­is, em São Paulo, usam máscaras que serão distribuíd­as pelo projeto

É na hora da xepa que o bicho pega. Gente se acumula nas barracas de feira livre atrás de uma pechincha. Em busca de um trocado, crianças com carrinho de mão levam as compras dos moradores para casa. Muitos transitam por ruas e vielas de Paraisópol­is, zona sul da capital, sem usar máscaras de proteção.

Ao assistir ao vaivém de pessoas desprotegi­das numa tarde agitada de sábado, o estilista Alex Santos, 29, morador do local, decidiu ligar a sua máquina de costura e confeccion­ar as peças para a vizinhança.

Há dez anos vivendo ali, ele e o psicólogo Nil Mariano, 41, criaram o projeto Pim (Periferia Inventando Moda), de capacitaçã­o profission­al, que visa o empoderame­nto e a autoestima de jovens carentes.

Desde abril de 2014, a Pim oferece oficinas preparatór­ias para modelos, maquiadore­s e fotógrafos da região.

Com a pandemia, o projeto ganhou um desdobrame­nto: a Pim Acolhe, cujo objetivo é produzir e distribuir ao menos 600 máscaras na favela até o fim deste mês.

Com cerca de 100 mil habitantes distribuíd­os em 23 mil domicílios, numa área com cerca de 1 milhão de m2, Paraisópol­is é a segunda maior favela de São Paulo, atrás somente de Heliópolis, também localizada na zona sul paulistana.

“Estamos em um momento de acolher as pessoas. É chegada a hora de ajudar o próximo”, diz Santos, emocionado. “Precisamos de empatia.”

Hoje, a Pim Acolhe tem em mãos 200 máscaras doadas por estilistas que trabalham em parceria com a Bemglô, nos Jardins. Iniciativa das atrizes Gloria Pires e Betty Prado, a loja de conteúdo colaborati­vo incentiva a sustentabi­lidade, o trabalho artesanal e a conscienti­zação do uso.

Deve receber cem máscaras e mais 25 metros de tecido da Vicunha, uma das maiores indústrias têxteis do país. Outras 200 máscaras virão da rede aTUAção PerifaSul, além de 160 do estilista Isaac Silva.

Dez modelos formados pela Pim vão trabalhar na distribuiç­ão das peças. Antes de fazerem a doação, porém, eles pretendem conversar com os moradores, informando­os sobre a importânci­a de usá-las no combate à transmissã­o do novo coronavíru­s.

“Muitas pessoas agem como se não estivéssem­os na pandemia. Por outro lado, temos mães com mais de cinco, seis filhos, que não conseguem comprar a máscara para todos eles. Infelizmen­te, os donativos não chegam a todos os cantos da favela”, conta a modelo Dennize Sena, 23, participan­te do programa.

Na visão dela, as ações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contribuem para um ambiente de divisão. “Há aqueles que acreditam no que é noticiado pela imprensa, mas existem muitos outros que creem no discurso irresponsá­vel do chefe da nação”, afirma ela.

Outra modelo da Pim, a trans Luara Costa, 22, Lua, como é chamada, reconhece que as circunstân­cias atuais levaram à ascensão do desemprego e à queda abissal de renda em Paraisópol­is, onde a expressiva maioria exerce trabalho sem carteira assinada.

“Nossa ação pretende ainda entender quais são os motivos que levam as pessoas a não usarem a máscara de proteção”, explica ela. “É comum por aqui as pessoas se abraçarem e se beijarem na rua como se não houvesse amanhã.”

A Pim Acolhe vai somar esforços ao lado de outro movimento já existente na comunidade, o Home Office das Costureira­s, braço do projeto Costurando Sonhos, iniciativa de 2017, criada para combater a violência contra mulheres.

Na mais rica cidade do país, o grupo reúne 68 costureira­s de regiões periférica­s. Dez delas estão em Paraisópol­is, costurando em suas casas.

Até o momento, 16 mil máscaras foram confeccion­adas, 10 mil das quais endereçada­s à favela, sem contar outras doadas, segundo os cálculos da paraense Suéli do Socorro Feio, 49, que há cinco anos vive ali. Ela e a maranhense Maria Nilde Santos, 55, 20 deles em Paraisópol­is, estão à frente do projeto social.

“Uma máscara é vendida por aqui a R$ 7,40, R$ 8. Com esse dinheiro, o morador compra quase 1 kg de frango.”

A distribuiç­ão é feita pelos recém-criados presidente­s de rua. São 609 deles pela comunidade.Cadaumrece­beumkit com 50 máscaras higienizad­as e um manual de uso e limpeza.

A situação torna-se grave quando falta água. Moradores relatam que ela acaba diariament­e à noite, assim como aos sábados e domingos, em pontos distintos do bairro.

A Sabesp diz que há imóveis em áreas informais que precisam se regulariza­r e que nessas áreas, por lei, não pode atuar.

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Marlene Bergamo/Folhapress
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Marlene Bergamo/Folhapress Modelos do PIM (Periferia Inventando Moda) com máscaras criadas pelo projeto

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