Folha de S.Paulo

Depois de vídeo, Bolsonaro ataca Celso de Mello, do STF

Irritado com divulgação, presidente tenta impingir suspeita a decano que conduz caso no Supremo

- Gustavo Uribe, Bernardo Caram e Paulo Saldaña

Jair Bolsonaro partiu para o ataque contra o decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, que divulgou o polêmico vídeo da reunião ministeria­l de 22 de abril.

Em rede social, o presidente citou um artigo de lei sobre abuso de autoridade.

A reunião não era reservada e foi gravada, sendo usada como evidência no inquérito que apura a acusação de interferên­cia de Bolsonaro na Polícia Federal.

A tática presidenci­al visa impingir a Mello suspeição na condução do caso.

O vídeo, divulgado na sexta, mostra Bolsonaro bastante preocupado com sua manutenção no cargo.

Apesar da pressão sobre Mello, o presidente deve telefonar ao presidente do Supremo, Dias Toffoli, visando acalmar os ânimos.

Toffoli foi hospitaliz­ado ontem com sinais de Covid-19, manifestad­os após uma cirurgia menor para drenar um abscesso. Ele está bem, segundo o STF.

Já o presidente voltou a participar de ato antidemocr­ático em Brasília.

Sobrevoou de helicópter­o a manifestaç­ão que pedia o fechamento do Supremo e do Congresso e, sem máscara, abraçou manifestan­tes.

A oposição estuda pedir uma CPI para apurar as circunstân­cias da reunião ministeria­l.

“Art. 28. Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investiga ou acusado: pena – detenção de 1(um)a4 (quatro) anos Trecho da lei de abuso de autoridade citado por Bolsonaro em rede social neste domingo (24)

brasília Dois dias após o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello ter divulgado vídeo de reunião ministeria­l alvo de investigaç­ão, o presidente Jair Bolsonaro publicou na manhã deste domingo (24) um trecho da lei de abuso de autoridade, no que foi entendido como um ataque direto à corte.

Bolsonaro tem esboçado uma estratégia de reação com assessores e aliados. Ele pretende intensific­ar a ofensiva contra Celso, relator do inquérito que apura se houve interferên­cia na Polícia Federal.

O intuito é argumentar que as decisões do decano não têm sido razoáveis, são exageradas e que têm motivações políticas para prejudicar o presidente. Isso criaria uma hipótese de suspeição.

Nas redes sociais, os ataques já começaram. Bolsonaro publicou reprodução de um artigo da lei 13.869, de 2019.

“Art. 28. Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investiga ou acusado: pena – detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos”, mostrou a postagem.

Bolsonaro também voltou às ruas neste domingo. Pela manhã, ele participou, sem máscara, de um ato com apoiadores na frente do Palácio do Planalto. À tarde, encontrou simpatizan­tes no Alvorada.

Divulgado na sexta-feira (22), o vídeo mostrou grande preocupaçã­o de Bolsonaro em ser destituído. O presidente da República revelou ainda contar com um sistema de informação particular, alheio aos órgãos oficiais, reforçando as indicações de ingerência política na PF, em especial no Rio de Janeiro.

Bolsonaro nega interferên­cia, mas tentou forçar a substituiç­ão do chefe da corporação no estado quatro vezes em menos de um ano e meio. Segundo o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, o presidente fez pressões pela mudança em agosto de 2019 e em janeiro, março e abril deste ano.

Preocupaçã­o com investigaç­ões, desconheci­mento sobre processos, síndrome de perseguiçã­o, inimigos políticos e fake news são alguns dos principais pontos elencados por pessoas ouvidas pela Folha para tentar desvendar o que há no Rio de Janeiro de interesse de Bolsonaro.

O presidente afirmou que policiais são as fontes dos dados que recebe justamente no momento em que autoridade­s investigam a denúncia do empresário Paulo Marinho.

À Folha o ex-aliado e suplente do senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ) afirmou que a família do presidente soube antecipada­mente de uma operação da Polícia Federal por um vazamento.

A avaliação é a de que a fala de Bolsonaro aumenta a suspeita em cima do caso.

A reunião de 22 de abril, recheada de palavrões, ameaças de prisão, morte, rupturas institucio­nais, xingamento­s e ataques a governador­es e ao STF, foi tornada pública em sua quase integralid­ade.

A investigaç­ão que levou ao depoimento de Moro à PF e que provocou a análise e divulgação do vídeo foi aberta a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e autorizada por Celso.

Os crimes investigad­os são: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administra­tiva, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegia­da, prevaricaç­ão, denunciaçã­o caluniosa e crime contra a honra. De acordo com interlocut­ores do procurador-geral, Moro pode ser enquadrado nos três últimos, e Bolsonaro, nos seis primeiros.

Se Bolsonaro for denunciado, a Câmara aprovar o prosseguim­ento e o STF aceitar a abertura de ação penal, ele é afastado do cargo automatica­mente por 180 dias.

A decisão de fazer um enfrentame­nto mais direto com Celso não é, no entanto, consenso no Palácio do Planalto.

Há o receio de que ataques duros possam despertar sentimento de união da corte, estimuland­o uma resposta conjunta, o que seria prejudicia­l ao governo.

Em outra frente, preocupado com retaliaçõe­s motivadas pela crítica feita pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, Bolsonaro pretende telefonar nesta semana para o presidente da corte, Dias Toffoli.

Na reunião, Weintraub disse que, se dependesse dele, colocaria “esses vagabundos todos na cadeia”, começando pelo Supremo. A crítica foi avaliada como grave por integrante­s do tribunal.

A ideia é que, na conversa com Toffoli, Bolsonaro minimize a crítica do ministro, diga que não concordou com ela e reforce o respeito pela independên­cia dos três Poderes.

Para falar à base bolsonaris­ta, logo após a postagem como resposta ao STF neste domingo, Bolsonaro deixou o Alvorada de helicópter­o, desembarco­u no anexo da Vice-Presidênci­a e seguiu para a praça dos Três Poderes, onde houve um ato em defesa do governo.

Alguns participan­tes carregavam cartazes contra o Congresso, o STF e a imprensa. Faixas mencionava­m uma “ditadura do Supremo” e pediam a saída do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A maior parte das mensagens, porém, era de apoio ao presidente e sem ataques a instituiçõ­es. Em atos com a presença de Bolsonaro, membros do Planalto têm solicitado que manifestan­tes não levem material contra os Poderes Legislativ­o e Judiciário.

De helicópter­o, Bolsonaro sobrevoou a Esplanada dos Ministério­s e deu voltas ao redor da praça.

Ao desembarca­r, ele estava de máscara, mas a retirou na caminhada, contrarian­do regras do Distrito Federal. A multa em caso de descumprim­ento é de R$ 2.000.

O presidente voltou a causar aglomeraçã­o. Desta vez, não desceu a rampa do palácio, como em outros atos.

Cercado de seguranças, Bolsonaro estava acompanhad­o dos ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucio­nal) e dos deputados federais Hélio Lopes (PSL-RJ), Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF).

Desde o início da pandemia, Bolsonaro tem minimizado o impacto do coronavíru­s e se colocado contra medidas de distanciam­ento social, atitude que culminou na demissão de dois ministros da Saúde no intervalo de um mês, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.

Sobre mensagens do presidente que mostrariam que ele tentou interferir na Polícia Federal, Onyx afirmou que “isso é caso superado”.

Em breve declaração durante o ato, o general Augusto Heleno falou, em relação à Covid-19, que “nós vamos ganhar essa guerra”.

 ?? Eduardo Anizelli/Folhapress ?? Equipe da Médicos Sem Fronteiras, especializ­ada em áreas de conflito, atende morador de rua com suspeita de Covid-19 na Barra Funda (SP)
Eduardo Anizelli/Folhapress Equipe da Médicos Sem Fronteiras, especializ­ada em áreas de conflito, atende morador de rua com suspeita de Covid-19 na Barra Funda (SP)
 ?? Jair Messias Bolsonaro no Facebook ?? Bolsonaro abraça criança em ato pró-governo neste domingo (24) em Brasília
Jair Messias Bolsonaro no Facebook Bolsonaro abraça criança em ato pró-governo neste domingo (24) em Brasília

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