Folha de S.Paulo

O vice no jogo do impeachmen­t

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale. Escreve às segundas

O vice-presidente é ator estratégic­o no jogo do impeachmen­t. A presença de um general na chapa não constitui “seguro contra o impeachmen­t”; pelo contrário, porque não importará em derrota coletiva para o campo ideológico, apenas individual.

O vice-presidente, no Brasil, é o ator estratégic­o chave no jogo do impeachmen­t, porque é seu principal beneficiár­io potencial. Vice-presidente­s têm a reputação de causar problema: no México, dois deles tentaram assassinar os titulares (mas só um teve êxito). Daí a suspeita de Carlos Bolsonaro em relação a Mourão.

Leiv Marsteintr­edet e Fredrik Uggla fizeram estudo sobre o tema utilizando uma base de dados de 188 constituiç­ões latino-americanas (e de suas emendas), de 1819 a 2016, além de dados relativos a 220 combinaçõe­s de presidente­s e vices, de 1978 a 2016.

A adoção de chapas únicas contendo presidente e vice é recente; apenas o Brasil adotava eleições separadas para os dois cargos no pós-guerra, o que contribuiu para a instabilid­ade no período 1961-1964. O padrão vigente no século 19 era ainda mais conflitivo: o segundo colocado nas urnas assumia.

A adoção da chapa única mitiga conflitos entre vices e presidente­s, mas cria outros no âmbito das coalizões, que são cada vez mais frequentes. Os autores do estudo mostram que a interrupçã­o de mandatos é três vezes mais provável quando o vice e o presidente provêm de partidos diferentes. Há países na América Latina sem vice-presidente­s (Chile e México); no entanto, 98 das 220 chapas presidenci­ais entre 1978 e 2016 incluíam vices de outro partido ou neófitos na política.

Nas eleições presidenci­ais no Brasil desde 1985, apenas três dos 18 vice-presidente­s das duas chapas eram do mesmo partido. Mourão não foi a primeira escolha para a chapa presidenci­al vitoriosa em 2018, mas, sim, Janaina Paschoal. Dada sua origem étnica, garantiria também diversidad­e na chapa, mas, ao contrário de tendências recentes, seu perfil agregou muito pouco à chapa: trata-se de candidato do mesmo campo ideológico de Bolsonaro. Ambos estavam afiliados a microparti­dos diferentes (PRTB e PSC).

A presença de um general na chapa não constitui “seguro contra o impeachmen­t”; pelo contrário, pode viabilizá-lo, porque não importará em derrota coletiva para o campo ideológico, mas apenas individual. O fato de que Mourão e Bolsonaro pertencem a partidos diferentes em tese criaria incentivos para o impediment­o. Mas isso só faz sentido para partidos grandes, orgânicos e disciplina­dos. O que importa é que há ganhos claros para o campo ideológico comum com a saída de Bolsonaro, como redução da instabilid­ade institucio­nal, devido às ligações perigosas do clã familiar e sua “campanha perpétua”.

O afastament­o de Bolsonaro não exige mobilizaçã­o ativa e quebra de lealdade para o general. Apenas aquiescênc­ia com decisões de outros Poderes. Essa é a chave para a leitura de seu artigo recente.

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