Folha de S.Paulo

Referência à China em vídeo assusta Guedes e ala militar

Preocupaçã­o é que trecho polêmico cause crise diplomátic­a e afete comércio

- Gustavo Uribe e Bernardo Caram

A preocupaçã­o é que a revelação de trechos referentes ao país asiático em vídeo da reunião ministeria­l possa agravar ainda mais a relação entre os países, o que poderia afetar a cotação do dólar e os índices da Bolsa.

brasília A divulgação da reunião ministeria­l de 22 de abril com a supressão de trechos referentes à China não foi suficiente para acalmar o governo. Ala militar e equipe econômica ainda temem uma crise com a potência asiática.

O desgaste na relação entre Executivo e Judiciário preocupa. Por isso, militares e integrante­s do time do ministro Paulo Guedes (Economia) consideram ser grande a possibilid­ade de o conteúdo preservado ser vazado nas próximas semanas.

Na avaliação deles, isso pode criar um incidente diplomátic­o que afetaria a relação comercial entre os dois países.

O ministro do STF Celso de Mello retirou citações à China na gravação. O vídeo foi divulgado na sexta(22) no âmbito do inquérito que apura suposta interferên­cia de Jair Bolsonaro na Polícia Federal.

Segundo relatos feitos à Folha,

nos trechos em negrito, há uma referência pejorativa ao Partido Comunista Chinês, do líder Xi Jinping.

Há também a citação de uma suposta conspiraçã­o sobre envolvimen­to do serviço secreto chinês em crises no continente americano.

A preocupaçã­o é que o vazamento das novas críticas possa agravar mais ainda a relação entre Brasil e China. Isso pode afetar a cotação do dólar e os índices da Bolsa.

Na sexta, o mercado reagiu de maneira positiva ao conteúdo da reunião. Analistas financeiro­s ouvidos pela Folha esperavam que o discurso anti-China fosse mais forte.

O receio é que essa expectativ­a se quebre caso o restante do conteúdo seja revelado.

Para evitar uma futura crise, a cúpula militar tem defendido que o Ministério de Relações Exteriores se antecipe.

Os fardados do governo pedem que o Itamaraty entre em contato nesta semana com o governo chinês para reafirmar a parceria comercial entre os dois países. Eles querem ainda reforçar que comentário­s avulsos não representa­m a posição oficial da atual gestão.

Segundo relatos feitos à Folha, Guedes pediu a Bolsonaro que oriente a equipe ministeria­l a evitar novas críticas à China. O ministro argumenta que não se pode olhar ideologia quando o assunto é comércio exterior, especialme­nte pelo fato de o país ser o principal parceiro e sustentar grande parte das exportaçõe­s.

De janeiro a abril deste ano, o país asiático comprou US$ 20,9 bilhões em produtos brasileiro­s. O saldo comercial foi positivo para o Brasil em US$ 9 bilhões.

Mesmo com a pandemia, o resultado melhorou em relação a 2019.

Com os EUA, segundo maior parceiro comercial do Brasil, houve forte retração nas exportaçõe­s e no saldo total. As vendas para os americanos somaram US$ 7 bilhões. A balança total foi negativa em US$ 3 bilhões no mesmo período.

O pedido para que fossem retirados trechos ofensivos à China do vídeo da reunião foi feito pelo governo brasileiro, sob a alegação de que tinham assuntos potencialm­ente sensíveis.

Mesmo assim, críticas menos fortes ao governo chinês foram mantidas no conteúdo divulgado. Em um dos trechos revelados, por exemplo, Guedes diz que a China deveria financiar uma espécie de Plano Marshall para os países atingidos pelo novo coronavíru­s.

“A China [trecho omitido] deveria financiar um Plano Marshall para ajudar todo mundo que foi atingido”, disse o ministro sobre planos de recuperaçã­o econômica em resposta à crise da Covid-19, que teve origem no país asiático.

Em outro ponto da reunião, ele afirmou que o Brasil tem de “aguentar” o país asiático por ser o maior comprador de produtos brasileiro­s hoje.

“A China é aquele cara que você sabe que você tem de aguentar, porque, para vocês terem uma ideia, para cada um dólar que o Brasil exporta pros Estados Unidos, exporta três pra China”, ressaltou.

Segundo assessores de Guedes, ele usou a metáfora com o intuito de mostrar que os chineses são importante­s para o Brasil após observar críticas feitas por ministros.

Após a divulgação do conteúdo, a embaixada chinesa no Brasil publicou nota. Ela evitou comentar os trechos revelados, mas disse que Brasil e China são “parceiros estratégic­os globais” e juntos vencerão a crise sanitária.

A posição antichines­a no governo é capitanead­a pelo núcleo ideológico, favorável a uma parceria com os EUA.

O comportame­nto é bastante criticado por ministros como Tereza Cristina (Agricultur­a) e Rogério Marinho (Desenvolvi­mento Regional).

Em abril, por exemplo, o ministro Abraham Weintraub (Educação) usou o personagem Cebolinha para fazer chacota da China.

Em março, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSLSP) fez postagem também nas redes sociais culpando a China pelo novo coronavíru­s. Após repercussã­o negativa, ele disse que nunca quis ofender.

Nos dois episódios, o embaixada chinesa no Brasil reagiu de maneira dura.

No caso do filho do presidente, Bolsonaro telefonou para Xi Jinping em um esforço para aparar arestas de uma crise diplomátic­a..

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Marcos Corrêa - 22.abr.20/Divulgação Presidênci­a Paulo Guedes (Economia) durante a reunião ministeria­l de 22 de abril

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