Folha de S.Paulo

Piora de risco político e fiscal faz do real uma moeda tóxica

Divisa acumula perda de 29% ante o dólar no ano e é a que mais sofre entre os países emergentes

- Eduardo Cucolo

Desvaloriz­ação de quase 30% do real em relação ao dólar reflete questões ligadas ao coronavíru­s, à piora no ambiente político e à perspectiv­a de que o país pode ficar para trás na recuperaçã­o mundial pós-pandemia.

“Não vai ter entrada de dólar em um país que tem confusão política e um juro baixo que vai demorar para ir embora. Se o Brasil quiser ser de novo atrativo, terá de resolver internamen­te essas questões políticas. Por mais que o país esteja barato, o prêmio não vale a pena por causa desses riscos. Não adianta dizer para o estrangeir­o que ‘agora vai’

Rodrigo Franchini sócio da Monte Bravo Investimen­tos

“O investidor precisava olhar para o Brasil e ver algo mais calmo, menos turvo, ter um pouco mais de clareza sobre o ambiente de investimen­to, diminuir um pouco essas incertezas

Otávio Aidar estrategis­ta-chefe e gestor de moedas da Infinity Asset

são paulo A desvaloriz­ação de quase 30% do real em relação ao dólar desde o início do ano reflete uma aversão à moeda brasileira que não era vista havia quase 20 anos e que já levou à classifica­ção da divisa nacional como um “ativo tóxico” por bancos estrangeir­os.

A perda de valor da moeda, que começou no ano passado por causa da queda no diferencia­l de juros entre o Brasil e outros países, se acelerou nos últimos meses por questões relacionad­as ao coronavíru­s, à piora no ambiente político e à perspectiv­a de que o país pode ficar para trás na recuperaçã­o mundial no pós-pandemia.

O real é a moeda que mais se desvaloriz­ou neste ano entre países emergentes, com uma perda de 29% em relação ao dólar.

Chama a atenção a diferença para países da América Latina, cujo segundo pior resultado é o do peso mexicano (-19%), e de economias como a África do Sul (-22% do rand) e a Rússia (-13% do rublo).

O risco Brasil medido pelo CDS (Credit Default Swap) subiu 220% em 2020. Na média dos países emergentes, a alta foi de 77%.

Na semana passada, o real voltou a se valorizar (fechou a sexta-feira, 22, vendido a R$ 5,58), mas praticamen­te sem alterar a distância em relação a outras moedas emergentes.

O banco Credit Suisse divulgou relatório em que classifico­u a moeda brasileira como “tóxica” e na lista das divisas de países fiscal ou politicame­nte expostos. A instituiçã­o projeta uma cotação de R$ 6,20 até o fim do ano.

Entre as instituiçõ­es consultada­s pelo Banco Central na pesquisa Focus, a mediana das projeções para o dólar no final do ano está em R$ 5,30, com algumas casas projetando uma cotação de até R$ 6,30.

Otávio Aidar, estrategis­tachefe e gestor de moedas da Infinity Asset, afirma que a valorizaçã­o recente no preço das moedas dos países emergentes corrige alguns exageros de mercado e que o real pode voltar a se alinhar com as moedas de outros pares.

Para ele, uma desvaloriz­ação do real na casa de 30%, enquanto outras moedas emergentes perderam cerca de 20% do valor, reflete uma percepção de risco descolada dos fundamento­s econômicos do país. Um câmbio de equilíbrio, segundo ele, pode estar próximo de R$ 4,00 ou R$ 5,00, a depender do cenário externo, mas não há justificat­iva para caminhar para um patamar acima de R$ 6,00.

Para que haja uma melhora na visão sobre o Brasil, no entanto, é necessário sinalizar que o aumento de gastos por causa da pandemia vai ficar restrito a esse período e, adicionalm­ente, ter um plano para organizar a economia na saída da crise.

“O investidor precisava olhar para o Brasil e ver algo mais calmo, menos turvo, ter um pouco mais de clareza sobre o ambiente de investimen­to, diminuir um pouco essas incertezas.”

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimen­tos, afirma que sua projeção para o câmbio daqui a 12 meses, consideran­do os fundamento­s da economia brasileira, é de R$ 4,70. Uma apreciação depende, no entanto, de uma significat­iva redução na aversão ao risco gerada pela pandemia, o que afetaria todas as moedas de países emergentes, e também de uma melhora nas questões políticas e fiscais do próprio país.

“Não estou dizendo para ninguém vender dólar. O câmbio é muito sensível. Ruídos a curto prazo tendem a fazer com que ele se deprecie ou aprecie. Se tiver uma piora de governabil­idade, podemos ter um ruído”, afirma Sanchez.

“Um segundo fator é não piorar mais do que os outros [países emergentes] e ter uma agenda reformista que volte à tona assim que passar, ou pelo menos reduzir, essa pauta da Covid-19”, afirma.

De acordo com o economista-chefe da Ativa, embora a diferença de juros entre Brasil e Estados Unidos esteja em apenas 2,75 pontos percentuai­s, consideran­do a taxa básica de curto prazo, os títulos brasileiro­s são atrativos quando se observa um diferencia­l de quase 8 pontos em investimen­tos de prazos mais longos.

Desde agosto do ano passado,o Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central, reduziu a taxa básica de juros, a Selic, em 3,5 pontos percentuai­s, de 6,5% para 3% ao ano.

Para Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimen­tos, os ruídos políticos, que se refletem na falta de um alinhament­o para enfrentar a pandemia e de um plano econômico para a saída de crise, afastam o investidor estrangeir­o, mesmo com alguns ativos nacionais extremamen­te desvaloriz­ados.

Segundo Franchini, esse investidor prefere voltar ao país quando já há algum sinal de recuperaçã­o nos preços, mesmo com o risco de perder os ganhos iniciais, a apostar em uma alta que talvez não se concretize.

Ele cita, por exemplo, a desvaloriz­ação em dólares da Bolsa de Valores brasileira, de quase 50%, que não atrairá o capital estrangeir­o se não houver perspectiv­a de valorizaçã­o dos papéis que compense o risco.

“Não vai ter entrada de dólar em um país que tem confusão política e um juro baixo que vai demorar para ir embora. Se o Brasil quiser ser de novo atrativo, terá de resolver internamen­te essas questões políticas. Por mais que o país esteja barato, o prêmio não vale a pena por causa desses riscos. Não adianta dizer para o estrangeir­o que ‘agora vai’”, afirma Franchini.

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