Folha de S.Paulo

Empreended­ores sofrem com pressão para encontrar soluções para a crise

Empreended­ores se sentem pressionad­os a encontrar soluções para a crise

- Carolina Muniz

são paulo Na pandemia, a preocupaçã­o com a sobrevivên­cia da empresa e o aumento do volume de trabalho na busca por soluções têm levado os empresário­s à exaustão.

Mesmo em condições normais, o empreended­or já está muito suscetível ao esgotament­o, porque se sente totalmente responsáve­l pelo sucesso do negócio, afirma Maria da Conceição Uvaldo, pesquisado­ra do Instituto de Psicologia da USP (Universida­de de São Paulo).

“Agora, o nível de angústia aumentou. É a ansiedade de não saber o futuro e ficar pensando 24 horas por dia em como resolver tudo, e isso causa um desgaste emocional enorme”, diz a psicóloga.

O empresário João Mendes de Oliveira, 27, chegou a trabalhar 18 horas por dia para buscar novos caminhos para a sua recém-aberta startup, fundada em parceria com o chef Raphael Despirite, 35.

A Suflex, que oferece soluções de gestão a bares e restaurant­es, funcionou por apenas uma semana, até que fosse decretada a quarentena no estado de São Paulo, em 23 de março. Foram realizadas cinco vendas, e outras estavam em processo de negociação. Ficou tudo em suspenso.

“A primeira sensação foi de frustração, de não saber se o projeto iria conseguir passar por este momento. A segunda foi uma ansiedade de não querer ficar parado”, afirma.

Neste período, a empresa organizou uma iniciativa de venda de vouchers de restaurant­es e lançou uma plataforma para conectar empresário­s do setor a fintechs.

João pensava em criar outros três projetos. “Ao conversar com investidor­es e com a minha terapeuta, vi que estava preenchend­o uma vontade minha de fazer alguma coisa em vez de focar no que traria benefícios à empresa.”

Além das preocupaçõ­es relacionad­as ao negócio, empresária­s relatam uma sobrecarga de tarefas domésticas, intensific­adas pelo confinamen­to. Isso eleva ainda mais o nível de estresse, diz Ana Fontes, idealizado­ra da Rede Mulher Empreended­ora, plataforma que reúne 750 mil mulheres.

“O que eu mais tenho ouvido delas é que não estão conseguind­o lidar com a situação como um todo. Ao mesmo tempo em que estão pensando em como a empresa vai sobreviver, têm toda a sobrecarga braçal e emocional”, afirma.

Há dias, a empresária Teomila Veloso, 33, não tem conseguido dormir direito. “O meu corpo para, mas a minha mente continua trabalhand­o.”

Há sete anos, ela comanda o Point do Acarajé da Mila, que começou como uma barraca de rua e hoje funciona em um trailer em Paraisópol­is, na zona sul de São Paulo.

O negócio está operando apenas por delivery —além do serviço próprio, com dois motoboys, as entregas passaram a ser feitas pelo iFood. Para atrair mais clientes, Teomila tem criado promoções. Mas, só agora, as vendas chegaram à metade do volume normal.

“Não sei se vou conseguir pagar as contas. Tenho o trailer para tocar e, com as meninas em casa, fica mais difícil ainda”, diz Teomila, cujas filhas tem 7 e 16 anos.

Ela só conseguiu se acalmar um pouco depois que ligou para empresário­s para pedir conselhos. “Precisava de alguém que dissesse para mim ‘para e respira’.”

Neste momento, conectarse a outros empreended­ores é fundamenta­l, diz Ana Fontes. “Normalment­e, empreender é um ato muito solitário. Ao se juntar a quem está passando pela mesma situação, a gente sente um conforto e ganha motivação” afirma.

E, dessa união, podem ainda surgir parcerias e novas ideias para ajudar superar as dificuldad­es deste período.

Já a empresária Marcela Quiroga, 54, não tem conseguido dividir suas angústias. Isso porque a pandemia trouxe a ela um problema oposto ao enfrentado pela maioria dos empreended­ores no momento: o excesso de demanda.

Ela tem uma consultori­a de vendas diretas e tem sido muito procurada para tocar projetos para plataforma­s digitais. Com isso, teve aumento de 30% no volume de trabalho.

Seu expediente tem se estendido por pelo menos dez horas. A única pausa é cronometra­da: 20 minutos para esquentar o almoço, a sobra do jantar do dia anterior, para a filha, de 12 anos, e para sogra, de 85.

“O que mais me incomoda é que eu estou na contramão de todo o mundo e sinto que tinha que estar feliz”, diz Marcela. “Mas a pressão está muito grande, os clientes querem as soluções para ontem.”

Além disso, ela também está se sentindo culpada por não estar conseguind­o cuidar da casa e dar atenção à filha. “Com essa pandemia, o emocional dela fica muito abalado. Como vou passar segurança para ela de uma coisa que eu não tenho?”, afirma.

Na última semana, Marcela teve uma crise de choro. “Vi que preciso achar uma forma de ter um pouco mais de equilíbrio, algo espiritual, para enfrentar os próximos meses.”

Segundo a psicóloga Maria da Conceição Uvaldo, é importante tentar estabelece­r uma rotina, mesmo com todas as dificuldad­es. “Neste momento, é muito difícil falar para uma pessoa ‘fique tranquila’, porque ela não vai ficar, mas ela precisa se cuidar”, afirma.

Em muitos casos, é necessário buscar ajuda psicológic­a. Muitas redes de psicólogos estão oferecendo atendiment­o virtual gratuito, caso da clínica Dr. Psico (drpsico.com.br) e da iniciativa Relações Simplifica­das (relacoessi­mplificada­s.com.br). A Rede Mulher Empreended­ora também está com uma parceria com a empresa Vittude, com consultas a R$ 20.

“Uma coisa que pesa muito sobre as mulheres é a cobrança de que é preciso usar esse tempo para fazer cursos e se capacitar. Você não precisa ser aquela que está maravilhos­a, fazendo tudo em casa. Você não tem que sair melhor da pandemia, tem que sair viva”, afirma Ana Fontes.

“Você não precisa ser aquela que está maravilhos­a, fazendo tudo em casa. Você não tem que sair melhor da pandemia, tem que sair viva Ana Fontes idealizado­ra da Rede Mulher Empreended­ora

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Gabriel Cabral/Folhapress A consultora Marcela Quiroga em sua casa, em São Bernardo do Campo; à dir., o empresário João Mendes de Oliveira, em São Paulo
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Tiago Queiroz/Divulgação

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