Folha de S.Paulo

Passar a boiada

Ministro do Meio Ambiente vê pandemia como oportunida­de para acelerar desmonte do setor

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Sobre intenções funestas do ministro do Ambiente.

Não faltaram exibições de vileza e servilismo ladrante na famigerada reunião ministeria­l de 22 de abril. O ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) se destacou, na ocasião, ao manifestar de forma insensível e cínica os atributos valorizado­s pelo presidente Jair Bolsonaro.

“Precisa haver um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilid­ade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplifica­ndo normas”, propôs, como registrado em vídeo.

Milhares de brasileiro­s mortos, e o ministro se preocupa em esquivar-se da Justiça, do Ministério Público e da imprensa para seguir desmontand­o as normas e órgãos de Estado da pasta que recebeu com a missão de manietar.

No Ibama de hoje, termina exonerado quem organiza e põe em marcha ações contra garimpeiro­s e madeireiro­s ilegais. No ICMBio, uma reforma de fancaria afasta gestores qualificad­os na administra­ção de unidades de conservaçã­o para substituí-los por policiais e militares inoperante­s.

A sabotagem vai concertada com o vice-presidente, Hamilton Mourão, encarregad­o de ações para conter o desmatamen­to na Amazônia, e com a ministra Tereza Cristina (Agricultur­a), que recebeu de presente de Salles o poder de conceder florestas à iniciativa privada.

O general monta operação teatral com uma centena de soldados e helicópter­os em Mato Grosso, usurpando função do Ibama, só para ter certeza de não autuar ninguém. A ministra pediu, e Salles deu uma canetada para tentar inutilizar restrições impostas na Lei da Mata Atlântica.

Para o governo Bolsonaro, floresta boa é floresta morta. Os resultados dessa política antiambien­tal estão bem à vista: a área desmatada na Amazônia, que já havia saltado 29,5% em 2019 e chegado a 9.762 km², um recorde na década, prossegue em alta. Já se projeta que a devastação possa alcançar mais de 12.000 km² neste ano.

No mundo inteiro, com as economias nacionais vergastada­s pela pandemia de coronavíru­s, estão em queda as emissões de carbono (gases do efeito estufa que alimentam o aqueciment­o global). Só o Brasil terá alta, em consequênc­ia da destruição de florestas.

O mês transcorri­do desde a fatídica reunião de ministério se encarregou de mostrar que Salles fracassou no intento sub-reptício de passar a boiada despercebi­da em plena epidemia. Juízes, procurador­es e jornalista­s seguem vigilantes na denúncia de sua política de terra arrasada e coberta de estrume —para usar um termo a gosto do presidente Jair Bolsonaro.

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