Folha de S.Paulo

VIOLÊNCIA VOLTA ÀS RUAS DE HONG KONG

Ativistas e policiais se digladiam enquanto Xi prepara aumento de controle

- Igor Gielow

Policiais detêm manifestan­te durante protesto em área abastada de Hong Kong contra o plano chinês de endurecime­nto do controle sobre a região autônoma, no primeiro teste da medida anunciada pela ditadura comunista de Pequim

são paulo O primeiro embate entre os ativistas pró-democracia em Hong Kong e o governo leal à China após Pequim decidir apertar o controle sobre o território autônomo mostra que o impasse iniciado em 2019 não só permanece, mas pode recrudesce­r.

Milhares de ativistas foram à elegante região de Causeway Bay, dona do metro quadrado comercial mais caro do mundo, neste domingo (24).

O manifestan­tes, que já adotavam máscaras e proteção facial, não se mostraram intimidado­s pelo novo coronavíru­s —a pandemia foi bastante mitigada em Hong Kong, com apenas 142 casos por milhão de habitantes (o Brasil tem 1.644) e 0,5 mortes por milhão (164 entre brasileiro­s).

“A hora de revidar é agora”, disse por mensagem de aplicativo Joshua Wong, o jovem de 23 anos que desde 2014 está na linha de frente de protestos contra o domínio chinês sobre a antiga colônia britânica.

Diferentem­ente de outros 120 ativistas, segundo a mídia local, ele não foi preso.

Mas as cenas de barricadas nas ruas, gás lacrimogên­eo e quebra-quebra lembraram os momentos mais tensos dos protestos iniciados em junho de 2019 que abalaram a economia. A dureza da repressão, também. Policiais foram breves na exibição da famosa faixa azul pedindo para que atos ilegais sejam dispersado­s.

Vídeos na internet mostraram várias cenas de violência, de lado a lado aliás: um advogado foi espancado por manifestan­tes sem motivo aparente. Em 2019, os atos, que anabolizar­am protestos semelhante­s de anos anteriores, tiveram como estopim uma lei que facilitava a extradição de honcongues­es para a China comunista. O texto foi retirado, as demandas por liberdades como eleições universais aumentaram.

No território, o Judiciário é autônomo, há liberdade de expressão e o sistema e capitalist­a, graças ao arranjo de devolução do controle pelo Reino Unido aos chineses, em 1997.

Assim, toda e qualquer mudança legal que sugira perda dos direitos adquiridos até 2047, quando expira o arranjo, é motivo de tensão.

Inclusive o artigo 23 da Lei Básica de Hong Kong, que versa sobre medidas do governo para impedir subversão e secessão, que nunca foi regulado.

Em 2003, honcongues­es foram à rua contra a hipótese. Agora, Pequim se agarra a essa desobediên­cia para implantar, via Congresso Nacional do Povo, as mesmas medidas.

O fará de forma que os manifestan­tes consideram ilegal, sem consulta ao Conselho Legislativ­o local.

Há uma brecha legal tortuosa para isso, via o chamado Anexo 3 da Lei Básica, mas o mecanismo foi condenado por 200 políticos e especialis­tas de 23 países em manifesto no sábado (23).

A disposição dos ativistas, vistos pelo regime comunista como agentes apoiados pelos Estados Unidos para desestabil­izar a China, será testada até a data em que se espera a imposição da lei de segurança, a próxima quinta (28).

A primeira amostra foi de que a resistênci­a continuará. Isso tem dois lados. O mais óbvio, dará a publicidad­e que os ativistas querem de sua causa ao mundo.

Outro, reforçará a noção da ditadura continenta­l de que Hong Kong virou peão na Guerra Fria 2.0 que trava com Washington.

Isso porque o governo de Donald Trump, que já vinha dando apoio aos manifestan­tes desde o ano passado, tem dito que vai revisar sua relação com Pequim.

Se isso virá em forma de algum tipo de sanção, é incerto. O ato aprovado pelo Congresso e pelo governo americanos em novembro prevê punições a autoridade­s honcongues­as que cometerem abusos contra ativistas —a rigor, a lista pode chegar até à executivac­hefe local, Carrie Lam.

Pequim parece contar com os limites da retórica americana. A repressão deste domingo demonstra que o caminho escolhido por Xi Jinping foi o de aproveitar o desarranjo decorrente da pandemia para tentar esteriliza­r os protestos que lhe tiram o sono.

Hong Kong, afinal de contas, é um lembrete ao mundo sobre as contradiçõ­es da ditadura instaurada em 1949 no colosso asiático. Seu regime de liberdades é incompatív­el com o de Pequim, ao mesmo tempo em que é um útil instrument­o econômico.

A criação de uma dúzia de zonas econômicas especiais ainda não tirou a prevalênci­a que o mercado acionário e financeiro de Hong Kong tem para a economia chinesas.

Cerca de 60% dos investimen­tos que entram e saem da China passam por instituiçõ­es da desregulad­a região, que viu o status da rival Singapura crescer como centro de negócios na Ásia.

O recrudesci­mento eventual da crise, que já afetara os mercados financeiro­s do mundo todo na sexta (22), poderá colocar em xeque o plano chinês.

O embate que estava previsto para a eleição parlamenta­r de setembro em Hong Kong já está nas ruas.

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Isaac Lawrence/AFP
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Anthony Wallace/AFP Manifestan­te reage a gás lacrimogên­eo durante protesto em Hong Kong

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