Folha de S.Paulo

A nova do Judiciário

É achincalhe a proposta de criar mais um TRF em plena crise econômica e sem debate transparen­te

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Acerca de projeto para a criação de mais um TRF.

Que o Judiciário brasileiro, um dos mais caros do mundo, imagina viver em uma realidade econômica paralela já se sabe. Beira o escárnio, num exemplo recente, que os três maiores tribunais estaduais brasileiro­s —de São Paulo, Minas e Rio— tenham mantido os pendurical­hos extrassala­riais dos juízes em plena crise da pandemia.

Descolamen­to da realidade não é privilégio da Justiça estadual. No âmbito nacional, caminha a passos largos a proposta de criação de uma nova corte, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), a ser instalado em Minas Gerais, por meio do desmembram­ento do TRF-1, que tem sede em Brasília.

Com votação na Câmara dos Deputados adiada para julho, o projeto já é negociado entre o Palácio do Planalto e os novos aliados do centrão, o que não sugere altruísmo. Urge escancarar os custos envolvidos e os interesses subjacente­s.

Autor da propositur­a, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, sustenta que não haverá impacto no Orçamento. Alguns de seus colegas de corte, no entanto, pensam que a iniciativa poderá, sim, gerar despesas adicionais.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, também expressou preocupaçã­o com o açodamento na condução da medida e o parco envolvimen­to do Conselho Nacional de Justiça no debate.

Defensores da criação do órgão sustentam, não sem alguma razão, que há sobrecarga evidente no TRF1, que se quer desmembrar.

Dados do CNJ apontam, com efeito, que, na Justiça federal, o tribunal registra o maior volume de trabalho por magistrado na segunda instância e o maior tempo de tramitação de processos (três anos e um mês). Sem um plano de como o novo TRF mudaria tal panorama, contudo, o debate se dá no escuro.

Cumpre buscar com seriedade e transparên­cia as melhores alternativ­as para enfrentar a morosidade do Judiciário, com atenção à realidade orçamentár­ia do país —que já era precária antes da calamidade do novo coronavíru­s e exigirá ajustes duros uma vez superada a retração econômica já em curso.

Na ausência de um debate aprofundad­o sobre o projeto, que se mostra impossível no momento, votá-lo às pressas será um desserviço ao acesso à Justiça.

Cogitar fazê-lo em tempos de emergência achincalha as dezenas de milhares de brasileiro­s enfileirad­os à espera do auxílio oficial. Após a pandemia, a discussão vai requerer mais planejamen­to e menos pressão corporativ­a.

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