Folha de S.Paulo

Filosofia da bola guia ações de Fernández contra pandemia na Argentina

Presidente Fernández cita treinador e torcida do seu time para nortear ações

- Bruno Rodrigues

SÃO PAULO A Argentina estava em sua segunda semana de quarentena quando, no fim de março, o presidente Alberto Fernández foi questionad­o em um programa de rádio se não se via cercado de dúvidas cada vez que anunciava um novo passo no combate à pandemia da Covid-19, por exemplo a extensão do período de distanciam­ento social.

Ele usou uma analogia futebolíst­ica envolvendo o clube de seu coração, o Argentinos Juniors, para explicar as tomadas de decisão na crise.

“Quando o Argentinos estava brigando para não cair [em 2007], o clube contratou [o técnico] Caruso Lombardi. Nosso jogo era basicament­e cruzar a todo instante para Delorte, um atacante que tinha vindo do Olimpo, e não me convencia. Até deixei de ir ao estádio”, disse o presidente à rádio Con Vos.

“Depois de Casuro, contratara­m Pipo Gorosito, e o presidente do clube me convidou para almoçar com ele. Quando expliquei a Pipo o que acontecia comigo [desmotivaç­ão com o time], ele me disse algo que levei para sempre. ‘Se você faz bem as coisas, é muito possível que tenha sucesso’. A partir daí chamei de ‘teorema de Gorosito’ e o aplico em tudo”, completou Fernández.

Ex-jogador, Nestor “Pipo” Gorosito tem quase 20 anos de experiênci­a como técnico. No Argentinos, em três passagens, salvou o clube em 2007, o classifico­u à Sul-Americana de 2008 e conseguiu o acesso à primeira divisão em 2014.

Envelopada pelo (nada complexo) “teorema de Gorosito”, a campanha de combate à pandemia na Argentina tem se mostrado bem sucedida até agora. Enquanto o Brasil já superou a barreira de 350 mil infectados e 22 mil mortos, o país vizinho atingiu 11.353 contágios e 445 óbitos.

“Eu encaro isso com orgulho. Não é só um pensamento para o futebol, é uma filosofia de vida”, disse Pipo Gorosito à Folha, sobre ter emprestado ao presidente a base do seu discurso. “Creio que ele está conduzindo muito bem [a crise]. Seguir assim não é fácil. Começa a pesar o tema econômico e é compreensí­vel o desespero das pessoas. Mas está enfrentand­o bem.”

Neste sábado (23), ao estender a quarentena até 7 de junho e endurecer medidas especialme­nte na Grande Buenos Aires, Fernández voltou a usar o time do coração como exemplo para dizer que agora já é possível saber onde o vírus se propaga com mais facilidade no país: nos bairros mais pobres da capital.

“Se você perguntar onde os torcedores do Argentinos Juniors estão, é difícil encontrálo­s. Mas se você for ao [encontro das ruas] Juan Agustín García e Boyacá [onde fica o estádio do time] em um domingo, encontrará muitos juntos.”

O presidente sabe que o terreno em que pisa ao citar seu envolvimen­to com o clube é relativame­nte seguro. Apesar de campeão da Libertador­es em 1984, a equipe do bairro de La Paternal é pequena e suas maiores rivalidade­s são com o All Boys, da segunda divisão, e Vélez Sarsfield, que tampouco é um clube de massa como Boca Juniors e River Plate.

O time é um benefício político que Fernández tem em relação ao antecessor, Mauricio Macri, que foi o presidente mais vitorioso da história do Boca e era frequentem­ente criticado, já como líder do Executivo, por supostamen­te manter o clube e seus dirigentes sempre colados no poder.

Em dezembro de 2019, o ídolo argentino Diego Armando Maradona, revelado no Argentinos Juniors, visitou a Casa Rosada e se encontrou com Fernández. Kirchneris­ta, Maradona o presenteou com camisas autografad­as do Argentinos e do Gimnasia y Esgrima, time do qual é treinador.

Recentemen­te, já em meio à pandemia, Fernández participou ao vivo de um programa da TNT Sports, em que falou não apenas sobre o “teorema de Gorosito”, mas recordou outras histórias de torcedor, como as brincadeir­as que fazia com Nestor Kirchner (1950-2010) sempre que seu Argentinos Juniors vencia o Racing do presidente.

Também falou a respeito do desejo de retomar a disputa do futebol profission­al, mas pediu cautela nesse ponto.

“Sinto falta do futebol, vocês não sabem o quanto. Sempre pergunto a Ginés [González García, ministro da Saúde], ‘por que não se pode jogar’? Quando tivermos os testes rápidos [de Covid-19], talvez os clubes possam fazer os controles e saber se os jogadores estão em condições. Os epidemiolo­gistas são os que têm a palavra, eu sou advogado.”

Quando Pipo Gorosito assumiu o Argentinos Juniors em 2007, Fernández aparecia com alguma frequência no clube pela amizade que tinha com o então presidente da instituiçã­o, Luis Segura.

Nos churrascos e almoços em que se encontrou com Gorosito, compartilh­ou suas visões futebolíst­icas com o treinador. Ao que parece, a troca de experiênci­as parece ter servido melhor a Fernández para a sua vida política do que ao técnico para a estratégia de suas equipes.

“Alberto é muito boa pessoa. Uma pessoa com a qual se pode falar tranquilam­ente. No futebol, todos falam, mas ninguém tem razão absoluta”, diz o autor do teorema.

“Eu encaro isso com orgulho. Não é só um pensamento para o futebol, é uma filosofia de vida Nestor ‘Pipo’ Gorosito técnico de futebol, sobre ter emprestado ao presidente argentino a base do seu discurso

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Esteban Collazo - 26.dez.19/AFP Alberto Fernández recebe Maradona, revelado no Argentinos Juniors, em visita à Casa Rosada

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