Folha de S.Paulo

Entenda como o vídeo da reunião ministeria­l pode influencia­r a investigaç­ão sobre Bolsonaro

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Qual a origem e o objetivo da investigaç­ão?

O inquérito foi aberto horas depois de Sergio Moro pedir demissão do Ministério da Justiça com acusações ao presidente Jair Bolsonaro. O objetivo da apuração é verificar se as afirmações do ex-ministro são verdadeira­s ou se ele mentiu sobre o comportame­nto do chefe do Executivo.

Se não conseguir comprovar o que disse, Moro poderá responder por denunciaçã­o caluniosa e crime contra honra.

Quais os possíveis crimes investigad­os?

No pedido de abertura de inquérito, o procurador-geral da República, Augusto Aras, citou oito crimes que podem ter sido cometidos: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administra­tiva, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegia­da, prevaricaç­ão, denunciaçã­o caluniosa e crime contra a honra. Nada impede, no entanto, que a investigaç­ão encontre outros crimes.

O que o vídeo acrescenta ao inquérito autorizado pelo Supremo?

Na reunião, de que participar­am Bolsonaro, ministros (incluindo

Moro) e o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, entre outros, o presidente diz que tem um sistema “particular” de informação que funciona bem, diferentem­ente dos órgãos oficiais, o que reforça bastante os indicativo­s de interferên­cia na Polícia Federal para proteger familiares e amigos.

Bolsonaro pressiona seus ministros durante a reunião?

Sim, ele cobra de forma veemente lealdade de ministros, citando por diversas vezes o risco de sofrer impeachmen­t.

Ele ameaça rupturas institucio­nais em relação a eventuais decisões de ministros do STF e defende que toda a população se arme para reagir a eventuais decisões de autoridade­s locais que ele considera serem ditatoriai­s.

Bolsonaro dá indícios de que possui uma rede privada de informaçõe­s?

Em certo momento da reunião, ele sugere isso: “Se reunindo de madrugada pra lá, pra cá. Sistemas de informaçõe­s: o meu funciona. O meu, particular, funciona. Os ofi... que tem oficialmen­te, desinforma [sic]. Prefiro não ter informação do que ser desinforma­do por sistema de informaçõe­s que eu tenho”, afirma Bolsonaro, não deixando claro qual sistema privado seria esse. Segundo interlocut­ores de Moro, a queixa de Bolsonaro era um ataque direto ao então titular da Justiça. O presidente teria requerido à equipe de Moro que levantasse dados de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), havia se reunido com outras autoridade­s numa madrugada para tramar um processo de impeachmen­t. O então ministro disse a ele que o encontro não existiu. Diante disso, o presidente se irritou e disse que sua rede de informaçõe­s privada era mais eficiente.

Como Bolsonaro explica a declaração sobre sistema particular de informação?

A declaração de Bolsonaro na última sexta (22) à noite à rádio Jovem Pan para tentar justificar o que seria seu sistema particular de informaçõe­s foi considerad­a um tiro no pé por advogados criminalis­tas e ministros de cortes superiores. Ele afirmou que policiais são as fontes dos dados que recebe justamente no momento em que autoridade­s investigam a denúncia de Paulo Marinho de que a família do presidente soube antecipada­mente de uma operação da Polícia Federal por um vazamento. A avaliação é a de que a fala do presidente aumenta a suspeita em cima do caso.

Bolsonaro fala diretament­e em intervençã­o?

Na reunião, Bolsonaro confirma o interesse em intervir na polícia, mas também em outros órgãos do Executivo. Ele cita “PF” (sigla de Polícia Federal) num contexto de insatisfaç­ão com a falta de informaçõe­s de inteligênc­ia. E a relaciona entre os órgãos que seriam objeto de sua interferên­cia. “A pessoa tem que entender. Se não quer entender, paciência, pô! E eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministério­s, sem exceção.”

A fala de Bolsonaro na reunião ministeria­l trouxe à tona de novo a desconfian­ça sobre um sistema de informação paralelo no governo?

Para investigad­ores, o principal ponto que confirma que Bolsonaro fazia referência à PF do Rio é o fato de ele ter mencionado “amigos” no contexto, o que não é de responsabi­lidade da segurança oferecida pelo

GSI (Gabinete de Segurança Institucio­nal). O Painel, da Folha, perguntou se a pasta cuida de algum amigo do presidente, mas não houve resposta. Em agosto de

2019, Bolsonaro se irritou com uma investigaç­ão no Rio em que apareceu um homônimo de Hélio Negão, deputado que é seu aliado. O presidente e Sergio Moro sustentava­m que havia uma fraude, mas o Ministério Público disse que não viu problema no inquérito.

Qual o interesse de Bolsonaro na Superinten­dência da Polícia Federal no Rio de Janeiro?

O presidente até agora não explicou. Ele nega interferên­cia, nas tentou forçar a substituiç­ão do chefe do órgão no estado quatro vezes em menos de um ano e meio. Segundo Moro, o presidente fez pressões pela mudança em agosto de 2019 e em janeiro, março e abril deste ano. Preocupaçã­o com investigaç­ões, desconheci­mento sobre processos, síndrome de perseguiçã­o, inimigos políticos e fake news são alguns dos principais pontos elencados por pessoas ouvidas pela Folha para tentar desvendar o que há no Rio de interesse a Bolsonaro.

Qual pode ser o principal ponto do vídeo para o inquérito da PGR (Procurador­ia-Geral da República)?

Durante a reunião, Bolsonaro se queixa, em tom irritado, da falta de dados dos órgãos de inteligênc­ia e de uma suposta perseguiçã­o a irmãos. Em depoimento, Moro afirmou que Bolsonaro se referia, naquele contexto, à mudança em alguns postos-chave da PF, ante sua preocupaçã­o com apurações em curso. O presidente sustenta, contudo, que sua fala era a respeito da troca de equipes do Gabinete de Segurança Institucio­nal, responsáve­is por proteger seus familiares, versão que se enfraquece mais ainda com a divulgação do vídeo da reunião.

Qual a reação do Supremo diante da divulgação do vídeo?

O vídeo da reunião frustrou uma parte da oposição a ele, que esperava assistir a cenas piores do que as que foram mostradas na filmagem. Segundo a coluna Mônica Bergamo, da Folha, políticos e magistrado­s críticos do presidente acreditam que o vídeo pode até render frutos a Bolsonaro, do ponto de vista popular, apesar dos palavrões —em especial quando ele levanta bandeiras caras ao bolsonaris­mo, como a do armamento. Magistrado­s do STF também opinavam, num primeiro momento, que o vídeo não deve impulsiona­r as investigaç­ões contra Bolsonaro deflagrada­s com as acusações de Moro. O material, no entanto, pode chocar em alguns momentos e deverá ser amplamente usado pela oposição.

Quais as consequênc­ias diretas do vídeo?

Investigad­ores da PF e da PGR, ouvidos reservadam­ente pela Folha, apontam os ataques do ministro da Educação, Abraham Weintraub, ao Supremo como uma causa inevitável de apuração. Ele afirmou que, se dependesse dele, colocaria “esses vagabundos todos na cadeia”, começando no STF. Outro alvo deve ser o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele defendeu na reunião no Planalto que o governo federal aproveitas­se a crise do novo coronavíru­s para aprovar reformas infralegai­s, incluindo alterações ambientais, sem o devido controle social. Segundo pessoas ligadas às investigaç­ões, a existência de um sistema paralelo de informaçõe­s, citado por Bolsonaro, deve gerar um “filhote” do inquérito. O propósito seria o de apurar se o mandatário recebia dados sigilosos de uma rede de informante­s extraofici­al, alheio a órgãos como a

Abin (Agência Brasileira de Inteligênc­ia), ou se contava com um aparato clandestin­o para espionar pessoas.

Quem irá definir se os relatos de Moro configuram uma ingerência passível de denúncia ou apenas o exercício de prerrogati­vas presidenci­ais?

Ao finalizar as apurações, a PF fará um relatório em que concluirá que ambos são inocentes ou, se for o contrário, indiciará os dois ou apenas um deles. Esse relatório policial será encaminhad­o à PGR, que não fica vinculada à conclusão da corporação. Ou seja, caberá a Aras analisar as provas e decidir se oferece ou não a denúncia.

Há prazo para a conclusão das investigaç­ões?

O Código de Processo Penal estabelece que inquéritos têm de ser concluídos em 30 dias ou em 10 dias se envolver réu preso. Esse prazo, no entanto, nunca é respeitado, inclusive nas investigaç­ões que correm perante o STF. O despacho do ministro Celso de Mello obrigando a PF a ouvir Moro em até cinco dias, e não em 60 dias, como havia determinad­o inicialmen­te, é um indicativo de que o magistrado quer acelerar as apurações. Não dá para afirmar, porém, até quando elas se estenderão.

Quais podem ser as consequênc­ias para Bolsonaro?

O presidente pode ser denunciado pela PGR e, se a acusação for aceita por dois terços da Câmara dos Deputados, ele será afastado automatica­mente do cargo por 180 dias, até uma solução sobre a condenação ou não do investigad­o.

Caso o Legislativ­o barre o prosseguim­ento das investigaç­ões, o processo voltará a correr após ele deixar o mandato.

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