Folha de S.Paulo

‘Tattolândi­a’, reduto petista, é irrigada com verba pública

Jilmar Tatto, candidato do PT em SP, e quatro irmãos dominam região na zona sul

- Fábio Zanini e Carolina Linhares

são paulo Líder comunitári­o na Capela do Socorro, zona sul de São Paulo, o ex-perueiro Robson de Oliveira, 42, conhecido como “X Bine”, comanda a Associação X, que nas últimas semanas tem se dedicado à distribuiç­ão de cestas básicas e máscaras para cerca de 7.000 famílias da região.

O trabalho na entidade, criada há sete anos, toma grande parte de seu tempo, mas Oliveira diz que consegue conciliar a atividade com a de assessor no gabinete do vereador Arselino Tatto (PT), localizado a 25 km de distância, no centro da cidade.

“Eu trabalho pra ele todo dia, mas separo bem a política da associação, que é neutra”, diz Oliveira, que tem salário bruto de R$ 4.175 como assessor especial de apoio parlamenta­r na Câmara Municipal.

Na entrada da Associação X, há uma faixa de agradecime­nto a Arselino, por ter destinado uma emenda orçamentár­ia no valor de R$ 50 mil à entidade comandada por seu próprio assessor.

“O vereador é aqui da região e nos ajuda muito. Se tem um problema de bueiro, iluminação, asfalto, a gente liga e ele manda ofício pra prefeitura resolver”, afirma Oliveira.

Nas campanhas, vem a retribuiçã­o. “Eu indico para as pessoas da comunidade voto nele e no PT. São os únicos que não aparecem só em eleição”, afirma ele, que também é filiado ao partido.

Vereador no oitavo mandato, Arselino, 63, é irmão do exdeputado federal Jilmar Tatto, 54, escolhido no último sábado (16) candidato do PT à Prefeitura de São Paulo. Jilmar foi secretário de Transporte­s nas gestões de Marta Suplicy (2001-04) e Fernando Haddad (2013-16).

Ambos são parte de um clã de dez irmãos, dos quais mais três têm mandato eletivo pelo PT: o também vereador Jair, 51, o deputado estadual Enio, 59, e o federal Nilto, 56.

Filhos de um casal de paranaense­s que migraram para a região da Capela do Socorro no final da década de 1970, os Tatto iniciaram sua militância nas Comunidade­s Eclesiais de Base da Igreja Católica e no PT, nos anos seguintes.

Estabelece­ram uma máquina eleitoral tão ampla que a região ficou conhecida como Tattolândi­a. Seu controle sobre a área, localizada nas proximidad­es da represa de Guarapiran­ga, se assenta em práticas clássicas de clientelis­mo.

Envolve liberação de emendas, promoção de ações assistenci­alistas e cooptação de lideranças locais.

A Folha identifico­u ao menos oito líderes ou pessoas ligadas a associaçõe­s comunitári­as de bairros sob influência dos Tatto como assessores de gabinetes dos irmãos.

É o caso, por exemplo, de Claudislei Barbosa de Oliveira, ligado à Associação dos Moradores do Jardim Miriam, lotado na primeira-secretaria da Assembleia Legislativ­a, comandada por Enio Tatto. Ou de Marcos Rogerio Lerois, tesoureiro da Sociedade Amiga e Esportiva do Jardim Copacabana, assessor do gabinete de Enio.

Isso se repete no gabinete de Jair, que dentre os irmãos é o que mais espalha sua atuação para outras regiões da cidade, como a zona leste.

O gabinete de Arselino, por sua vez, absorveu nomes que, até 2016, estavam empregados na prefeitura, quando Jilmar era secretário de Transporte­s.

Mauro Scarpinatt­i, ativista ambiental da região de Guarapiran­ga, foi diretor da SPTrans; Antonio Dias Barroso foi subprefeit­o da Capela do Socorro; e Ricardo Padula de Moraes foi chefe de gabinete da subprefeit­ura.

No PT, adversário­s de Tatto que preferiam o deputado federal Alexandre Padilha como candidato a prefeito preocupam-se com a imagem do exsecretár­io. Seria alguém mais interessad­o em fortalecer seu próprio grupo político do que em se articular com outros líderes de esquerda.

A liberação de emendas é outro instrument­o usado pelo clã. No Jardim Universitá­rio, homens trabalhava­m na última quinta-feira (21) na reforma de uma quadra feita com dinheiro do Orçamento obtido por Arselino. Há cerca de 15 anos, a construção do espaço também foi feita com recursos repassados por ele.

“Aqui no mínimo 80% do pessoal é Tatto, porque eles são muito atuantes”, disse Claudio José da Silva, diretor-esportivo da Associação Jardim Universitá­rio, que também teve membros empregados em gabinetes dos irmãos.

Na quadra, Silva dá treino de futebol para 190 crianças entre 5 e 17 anos. Agora, será possível ter também aulas de ginástica e realizar eventos como festas juninas e do Dia das Crianças, que antes ocorriam no meio da rua.

Os irmãos também são conhecidos por promover eventos para a comunidade, não apenas em época de campanha. Costumam ser assíduos nas celebraçõe­s.

Um dos locais favoritos é o centro esportivo Mocidade Ativa Cristã, no Jardim das Imbuias. O espaço é um CDC (Clube da Comunidade), pertencent­e à prefeitura, mas administra­do pelos moradores.

Acabou de passar por uma ampla reforma, também a partir de emenda de Arselino, como registra uma faixa de agradecime­nto na quadra.

Antes de ser fechado em razão do coronavíru­s, o clube teve troca de refletores no campo de futebol, onde Enio joga como centroavan­te nos torneios de várzea. A próxima demanda é a construção de uma arquibanca­da.

“Aqui a gente tem telecentro, oferece dança pra idosos, faz festa, churrasco, tudo aberto à comunidade”, diz o caseiro do local, Luiz Antonio Mingareli, que diz ser uma espécie de assessor informal de Enio. Os irmãos vão ao local com frequência.

Moradores ouvidos pela Folha dizem que Jilmar trabalhou bastante pela região como secretário de Transporte­s. Entre as obras e ações listadas estão o Bilhete Único, a duplicação da avenida Dona Belmira Marin, no Grajaú, e a construção de corredores de ônibus que reduziram o trajeto até o centro pela metade.

A área dos transporte­s deve estar entre as principais bandeiras de campanha de Jilmar, que entregou mais de 400 km de vias exclusivas para o transporte coletivo, embora não tenha cumprido a meta de construção de corredores na gestão Haddad.

Em entrevista à Folha, ele prometeu implantar de forma gradual a tarifa zero para os passageiro­s.

A atuação nesse setor, por outro lado, também é sua principal fonte de dores de cabeça judiciais.

Na gestão Haddad, Jilmar foi denunciado duas vezes por suspeita de improbidad­e administra­tiva deviso ao aumento de multas e radares na cidade e uso irregular dessa arrecadaçã­o. Em uma das ações, foi inocentado, mas há recursos pendentes. Também responde por suspeita de improbidad­e em relação a obra de uma ciclovia.

Neste ano, Jilmar se tornou um dos alvos de denúncia por suspeita de improbidad­e administra­tiva em relação a cartel de empresas de ônibus.

Além disso, em 2006, chegou a ter a prisão pedida pelo Ministério Público, mas negada pela Justiça, em investigaç­ão a respeito de influência sobre perueiros que seriam ligados ao crime organizado. Ele sempre negou essa relação e o caso foi arquivado.

Procurado pela Folha, Jilmar afirmou que vê o termo Tattolândi­a com carinho e não de forma pejorativa.

“Lutamos por políticas que possam dar mais qualidade de vida para essas pessoas muitas vezes esquecidas pelo poder público”, afirmou em nota.

Sobre o fato de líderes locais serem assessores parlamenta­res, afirmou que as equipes dão diversas. “Quanto aos nossos mandatos, eles sempre foram muito plurais mesmo, com técnicos, lideranças populares e gente do povo.”

Arselino afirmou, sobre a contrataçã­o de Robson de Oliveira, que ela obedeceu à legislação. “Todas as nossas contrataçõ­es seguem exatamente o que prevê a lei. E a presença de líderes populares da periferia de São Paulo nos enche de orgulho.”

“É uma opção termos assessores populares. Não queremos apenas o voto das pessoas, queremos que elas se sintam representa­das em nossos mandatos. Então compomos nossas equipes da forma mais plural possível”, completa.

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Bruno Santos/Folhapress Comunidade da 20, no bairro Cidade Dutra (zona sul), onde atua associação liderada por assessor ligado aos irmãos Tatto
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