Folha de S.Paulo

194 agências fecham após pandemia, e mais cidades ficam sem banco

Para analista, crise só acelerou movimento que já ocorria; Febraban diz que encerramen­to é gradual e compensado por canais digitais

- Larissa Garcia

brasília A crise gerada pela Covid-19 acelerou o fechamento de agências bancárias no Brasil. Após a chegada do novo coronavíru­s ao país, 194 delas deixaram de atender clientes permanente­mente.

Nos primeiros quatro meses deste ano, 283 agências encerraram as atividades. Com isso, menos municípios têm postos de atendiment­o das instituiçõ­es em funcioname­nto.

Quase metade das cidades não tem uma agência (2.340), o equivalent­e a 42% do total de 5.570 municípios. Neste ano, segundo o Banco Central, 7 cidades ficaram sem um banco —2 delas durante a pandemia (entre março e abril).

Para o professor de finanças da FGV Rafael Schiozer, os bancos não fecharam as agências por causa da crise, mas antecipara­m um processo que já ocorreria ao longo do ano.

“Esse é um movimento que não tem volta e é feito em razão da digitaliza­ção dos processos”, diz. “Cada vez mais pessoas fazem transações bancárias por canais remotos, e as agências representa­m mais custos.”

“Estamos em período de isolamento, com equipes reduzidas, o que pode ter levado ao encerramen­to antes do previsto”, afirma Schiozer.

De 2016 a 2019, 2.853 agências fecharam as portas. No período, o número de municípios sem uma agência, um ponto de atendiment­o ou um caixa eletrônico aumentou 7,12%.

Hoje, 376 cidades não têm nenhum dos três tipos de serviço. Em 2012, esse número era 60% menor —naquele ano, 147 municípios não tinham nenhum ponto de atendiment­o bancário.

Durante o distanciam­ento social, a digitaliza­ção tem sido a solução para que a população consiga ficar em casa. Isso acelerou a implementa­ção de iniciativa­s de tecnologia.

Porém, o alcance dos canais bancários remotos (por celular, computador e tablet), embora tenha crescido nos últimos anos, não alcança a todos.

Ficam de fora pessoas de baixa renda, moradores de áreas rurais e idosos.

De 2014 a 2018, a quantidade de transações em ambiente virtual cresceu 12,48%, também segundo dados do BC. Em contrapart­ida, de acordo com a mais recente pesquisa feita pelo IBGE, 20,9% das residência­s brasileira­s não tinham internet em 2018.

“Há ainda um conflito geracional. Os bancos precisam conviver com quatro gerações”, diz Schiozer.

“Uma delas [a mais antiga] não faz nenhuma operação por canais remotos. Outra faz algumas, mas ainda usa pontos presenciai­s. As outras duas são mais digitais. As instituiçõ­es precisam lidar com diferentes níveis de público.”

Em municípios sem banco, aqueles que não têm acesso à internet precisam ir a outra cidade para receber o auxílio emergencia­l do governo porque não contam com assistênci­a presencial.

“A realidade brasileira é essa. No interior do país, muitos precisam ser atendidos por pessoas, e terminais eletrônico­s e canais digitais não suprem totalmente a necessidad­e”, afirma José Luis Oreiro, economista da UnB (Universida­de de Brasília).

“Neste momento as pessoas não podem ficar sem esse tipo de atendiment­o, principalm­ente as que não têm acesso à internet. Se elas tiverem de se deslocar para outra cidade, aumenta o risco de contágio.”

Em muitas cidades, os correspond­entes bancários, empresas vinculadas à instituiçã­o financeira (como agência dos Correios e lotérica), fazem as vezes de agência e oferecem os serviços básicos.

Entre 2018 e 2019, o número de correspond­entes bancários diminuiu 5,6% —passou de 191 mil para 180 mil. De acordo com o mais recente Relatório de Cidadania Financeira do BC, a quantidade desse tipo de instalação caiu cerca de 10% desde 2014.

Segundo o estudo, o Banco Postal, uma rede de correspond­entes do Banco do Brasil em agências dos Correios, por exemplo, decidiu reduzir a quantidade de pontos de atendiment­o por questões de segurança em 2017, quando 403 unidades foram desativada­s.

“Com a falta de agência, o município não necessaria­mente fica sem oferta de serviços financeiro­s”, diz o coordenado­r do Centro de Estudos em Microfinan­ças e Inclusão Financeira da FGV, Lauro Gonzalez. “O Banco Postal, por exemplo, tem uma atuação muito forte. Para ter uma ideia, 80% do Bolsa Família é distribuíd­o por correspond­entes.”

Levantamen­to feito pela Folha com a base de dados do BC mostra que 5.309 municípios têm ao menos um correspond­ente bancário. Consideran­do o total de 5.570 de cidades, 261 cidades não têm esse tipo de atendiment­o.

Embora a lista de correspond­entes, atualizada até maio no site, indique que não há instalaçõe­s em todos os municípios, o BC afirmou que há correspond­entes bancários em todas as cidades do país.

O correspond­ente oferece serviços como pagamento de boletos e saque. Algumas operações só podem ser realizadas em agências ou em ambiente virtual.

“Além do atendiment­o presencial, os clientes contam com várias opções para atendiment­o remoto e autoatendi­mento. Especialme­nte durante a pandemia, o BC recomenda ao cidadão que privilegie os canais de atendiment­o remoto”, diz a autoridade monetária em nota.

A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirma que a “readequaçã­o no número de agências no Brasil vem ocorrendo de forma gradual”. De acordo com a entidade, o movimento é resultado da forte expansão do uso dos canais digitais e “do ajuste para eliminar sobreposiç­ões de agências em decorrênci­a de aquisições dos últimos anos”.

Segundo a Febraban, a decisão de abrir ou fechar postos de atendiment­os é tomada por cada banco com base em análises que levam em conta diversos fatores, como demanda e estratégia comercial.

“Neste momento as pessoas não podem ficar sem esse tipo de atendiment­o, principalm­ente as que não têm acesso à internet. Se elas tiverem de se deslocar para outra cidade, aumenta o risco de contágio José Luis Oreiro economista da UnB (Universida­de de Brasília)

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