Folha de S.Paulo

Lavoura se adapta à pandemia no embalo da alta na demanda

Cafeicultu­ra reduz migração para colheita, e setor de grãos evita contato pessoal

- Marcelo Toledo e Katna Baran Com Reuters

ribeirão preto e curitiba Tradiciona­l região cafeeira de São Paulo, a Alta Mogiana deverá ver acentuar, em meio à pandemia do novo coronavíru­s, um fenômeno que já tem ocorrido nos últimos anos: a queda na migração de trabalhado­res para a colheita.

Com as restrições de deslocamen­to e de aglomeraçõ­es e o risco de contágio da Covid-19, a tendência, segundo o setor e especialis­tas, é que os cafeiculto­res contratem mão de obra local ou até mesmo acelerem a mecanizaçã­o na safra que começa a ser colhida em algumas regiões do país ainda neste mês. Ou, ainda, que atrasem a colheita para evitar a disseminaç­ão do coronavíru­s.

Esse, porém, é apenas um dos retratos do agronegóci­o no país, que, até aqui, tem motivos para celebrar como a boa produção de soja, os preços atrativos do próprio café e a possibilid­ade de ampliar exportaçõe­s de suco de laranja, tudo isso num momento em que o câmbio é altamente atrativo.

Se, há 20 anos, o total de migrantes para o café chegava a 30 mil no nordeste paulista e parte de Minas, a mecanizaçã­o das lavouras e a mudança para outras atividades fizeram com que o número de trabalhado­res fosse reduzido a cada ano.

Agora, a estimativa é que isso se acelere ainda mais e municípios no entorno de Franca empreguem menos de 15% dos migrantes de outrora, que deixavam principalm­ente o sul da Bahia e o Vale do Jequitinho­nha (MG) em ônibus lotados para a chamada “panha do café” e dividiam alojamento­s com dezenas de pessoas.

Com isso, e apesar do preço bom —entre R$ 560 e R$ 590 a saca de 60 quilos—, produtores de café arábica podem ter atrasos na safra, etapa mais intensiva em mão de obra e que dura de três a quatro meses.

Colômbia e Brasil, que produzem 65% desse café no mundo, precisarão de 1,25 milhão de pessoas para os trabalhos, segundo associaçõe­s de produtores, que estão preocupada­s com a reunião de empregados.

“Eu vou começar com menos pessoas que o normal, nós poderemos ir mais devagar no começo”, disse o produtor Paulo Armelin, de Minas Gerais, fornecedor regular da italiana Illy.

Segundo a OIC (Organizaçã­o Internacio­nal do Café), a produção global de café arábica deve ser de 102,7 milhões de sacas, das quais 55,5 milhões são do Brasil. A Colômbia responde por 15,5 milhões de sacas.

De acordo com o pesquisado­r Renato Garcia Ribeiro, do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, além de contratar menos, os produtores estão tentando espaçar os funcionári­os nos alojamento­s.

“O que mais preocupa é o processo de deslocamen­to da cidade para o campo. Na lavoura em si, não fica um do lado do outro. A colheita usará mais mão de obra local por causa das restrições de deslocamen­to.”

Com as regras que o setor recebeu, Ricardo Lima de Andrade, superinten­dente comercial da Cocapec (cooperativ­a de Franca), disse acreditar que, se não usar mão de obra local, o cafeiculto­r partirá para mecanizar o que for possível.

“A pandemia fará com que se desenvolva metodologi­a para colher de forma mecanizada, até para evitar a circulação de pessoas no interior do Brasil.” Em média, cada empregado contratado para a colheita recebe R$ 1.500.

Já entre os produtores de grãos, a preocupaçã­o se mantém mais com o clima e outras condições adversas do que com a pandemia. Os protocolos de segurança se restringem, em geral, ao uso de máscaras e álcool em gel por quem está envolvido nas cadeias de produção, já que a própria dinâmica das áreas auxilia nas medidas protetivas.

“O risco maior seria o contato entre pessoas, mas, ao ar livre e com distanciam­ento, o produtor consegue conversar com técnicos e funcionári­os, e isso acaba protegendo a todos”, disse Haroldo Polizel, super-intendente­geral da Integrada, cooperativ­a com sede em Londrina que reúne cerca de 10 mil produtores em 49 municípios de Paraná e São Paulo.

Ainda assim, as visitas de pessoal externo às terras têm se restringid­o a emergência­s.

Mesmo com as condições desfavoráv­eis, principalm­ente pela estiagem, a safra 2019/20 de soja no Paraná bateu recordes. Segundo estimativa do Departamen­to de Economia Rural do Paraná, são 20,7 milhões de toneladas no mercado, quase 1 milhão a mais que a safra 2016/17, até então a maior.

Dono de uma propriedad­e de 500 hectares em Moreira Sales (PR), Marcio Bonesi contou que recentemen­te recebeu na área um técnico de uma multinacio­nal. Dias depois, o agricultor soube que o funcionári­o foi notificado pela empresa, que tem usado o rastreamen­to de veículos para evitar contatos desnecessá­rios. “A visita, que era mensal, não vai ser mais”, disse.

Como grande parte de produtores de grãos, ele já colheu entre março e abril suas cerca de 31.500 sacas de soja e emendou na plantação de milho, em fase de cresciment­o. Com isso, disse que a fase de maior “movimento”, com grande fluxo de colheitade­iras e caminhões, escapou do ponto mais crítico da pandemia.

Nesta nova etapa das propriedad­es, com a entrada do milho —cuja produção está com baixa estimativa, graças também à estiagem—, estão sendo tomados outros tipos de medida no recebiment­o de inseticida­s e adubos.

“Ou seja, o que foi afetado é o processo, que está acontecend­o de forma mais lenta, com a baixa dos colaborado­res que são do grupo de risco e as diversas medidas de segurança nas entradas de propriedad­es”, disse Geomar Corassa, gerente de pesquisa e tecnologia da Cooperativ­a Central Gaúcha, com 171 mil produtores no Rio Grande do Sul.

Nas cooperativ­as, geralmente com grande quantidade de funcionári­os, quem pode está trabalhand­o de casa. Com cerca de 140 associados da região, a Coopa, do Distrito Federal, está funcionand­o com 30% do efetivo presencial, em rodízio, como nas balanças e no recebiment­o e despacho de cargas.

O novo jeito de trabalhar tem levado produtores a procurar soluções pela internet.

“Já havia uma tendência de aumento do uso de tecnologia­s digitais no campo, principalm­ente pela chegada de uma nova geração, mas a pandemia fez isso acelerar”, afirmou Corassa.

Ele ressalta, de outro lado, que uma das áreas do campo mais afetadas pelo novo coronavíru­s é a de pesquisas, essencial para desenvolve­r soluções para os produtores, como no combate de pragas.

“A gente não sabe o que vai ser daqui para a frente, então fica complicado assumir um experiment­o, por exemplo, e garantir a sua condução.”

Com a laranja, a expectativ­a é de, em algum momento, o mercado nacional exportar mais suco para os EUA, cujo mercado cresceu 40% na pandemia.

“O suco tem vivido febre de consumo, em razão da vitamina C e também pelo fato de, com o confinamen­to das pessoas em casas, o hábito do café da manhã ter sido retomado pelas famílias. Quando você olha o balanço da Kelloggs, por exemplo, verá que ela teve alta de 8% nas vendas impulsiona­do por março [quando já havia isolamento]”, disse Ibiapaba Netto, diretor-executivo da Citrus-BR.

O cenário só não tem reflexo imediato nos Estados Unidos, segundo ele, devido aos estoques do país, o maior em cinco anos. “Mas o aumento do consumo ajuda a queimar mais rápido esse estoque, o que a médio prazo vai ser bom. O suco de laranja foi apresentad­o para uma geração de consumidor­es, pessoas que não tinham o hábito de beber e passaram a ter.”

Ainda segundo ele, o fato de o setor seguir normalment­e em meio à crise econômica no país é uma “bênção”.

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Pedro Ladeira/Folhapress Trabalhado­r com máscara de proteção contra o coronavíru­s descarrega milho para moagem de cooperativ­a em Planaltina, no Distrito Federal

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