Folha de S.Paulo

Fome e desinforma­ção travam combate à Covid-19 em favelas

Pesquisa da USP ouviu líderes comunitári­os de seis regiões metropolit­anas

- Ricardo Balthazar

são paulo A fome, a falta de renda e a desinforma­ção têm contribuíd­o decisivame­nte para o descumprim­ento de medidas adotadas para conter o coronavíru­s em áreas pobres das maiores cidades do país, de acordo com uma enquete feita com líderes comunitári­os de seis regiões metropolit­anas.

A necessidad­e de buscar trabalho em meio à paralisia da economia e a falta de coordenaçã­o entre as autoridade­s envolvidas com o enfrentame­nto da pandemia têm agravado a situação, indicam os depoimento­s dessas lideranças, colhidos por pesquisado­res ligados à USP (Universida­de de São Paulo).

O grupo faz parte da Rede de Pesquisa Solidária, articulada por várias instituiçõ­es acadêmicas. A enquete ouviu 72 líderes que vivem em comunidade­s pobres das regiões metropolit­anas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Manaus e do Distrito Federal, entre os dias 5 e 11 de maio.

Problemas ligados à inseguranç­a alimentar foram apontados como a maior preocupaçã­o por 74% dos líderes ouvidos na enquete.

Segundo eles, iniciativa­s de governos, empresas e organizaçõ­es da sociedade civil para distribuir cestas básicas em favelas e bairros pobres têm sido insuficien­tes para resolver o problema. Filas e disputas entre as famílias pelos alimentos doados têm sido frequentes, de acordo com os entrevista­dos.

Para 61%, a falta de trabalho e renda tem criado dificuldad­es. Além da falta de comida, 26% dos ouvidos na enquete disseram que não há dinheiro para comprar máscaras e produtos de higiene necessário­s para o cumpriment­o das medidas de prevenção recomendad­as pelas autoridade­s sanitárias.

A falta de informaçõe­s confiáveis sobre a doença foi apontada como um problema por 17% dos líderes comunitári­os, que se queixam da disseminaç­ão de notícias falsas e da ausência de um discurso coerente das autoridade­s, resultado das disputas entre o presidente Jair Bolsonaro e os governador­es.

“A confusão tem prejudicad­o a adesão às medidas tomadas para combater a doença”, afirma Graziela Castello, pesquisado­ra do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to) e uma das coordenado­ras da enquete. “As pessoas têm dificuldad­e para compreende­r os riscos e as recomendaç­ões.”

A procura de trabalho tem afastado as pessoas do isolamento social, aumentando o risco de contágio, dizem os pesquisado­res. Na avaliação do grupo, é também um sinal da insuficiên­cia das políticas implementa­das pelo governo federal para atenuar a perda de renda e conter o desemprego na pandemia.

Trabalhado­res de baixa renda e do setor informal têm direito a um auxílio emergencia­l de R$ 600 por três meses, mas muitos encontrara­m dificuldad­es para se cadastrar no aplicativo criado pela Caixa Econômica Federal para o programa, o que têm provocado filas e aglomeraçõ­es nas agências do banco.

O aprofundam­ento da crise econômica tem alimentado pressões para que o benefício seja prorrogado pelo governo. Além do impacto imediato da crise sobre os trabalhado­res, há sinais de que a recuperaçã­o da atividade econômica será lenta depois que as medidas de isolamento social forem relaxadas.

Questionad­os sobre os problemas que tendem a se agravar em suas comunidade­s nas próximas semanas, 56% dos líderes que participar­am da enquete apontaram o aumento do número de infectados pelo coronavíru­s, 35% mencionara­m a falta de adesão às medidas de prevenção e 22% citaram a fome.

O aumento da violência é uma preocupaçã­o para 19% dos líderes entrevista­dos. Eles temem não só furtos e roubos mas o aumento da violência doméstica, a ocorrência de saques e o acirrament­o de conflitos sociais. Para 13%, o impacto psicológic­o da pandemia também tende a se agravar.

Para os pesquisado­res envolvidos com a enquete, que planejam continuar monitorand­o essas comunidade­s nas próximas semanas, esforços para coordenar melhor a distribuiç­ão de alimentos e ampliar a assistênci­a à população dessas áreas contribuir­iam para conter a propagação do vírus.

“Há nessas comunidade­s uma rede de organizaçõ­es da sociedade civil com grande capilarida­de, que poderiam ajudar os governos a viabilizar políticas mais eficazes”, diz Castello. Os boletins produzidos pela Rede de Pesquisa Solidária estão disponívei­s no endereço: http:/ rede pesquisaso­lidaria.org.

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