Folha de S.Paulo

Após perder dois filhos em chuvas, casal sofre com a pandemia em SP

Sem documentos, levados em deslizamen­to em Guarujá em março, mulher não consegue auxílio municipal

- Klaus Richmond

guarujá (sp) Chorando, Gabriela Cristina Granero Ferreira, 25, avisou o marido, Talisson Onorato de Jesus, 18, que não havia mais o que comer na nova casa, emprestada como forma de socorro há quase um mês por uma amiga no bairro Jardim Mar e Céu, em Guarujá, no litoral paulista.

Os dois fazem parte das centenas de pessoas desabrigad­as pelas fortes chuvas que vitimaram 45 pessoas em Guarujá, Santos e São Vicente na madrugada do último dia 3 de março e têm sofrido com o aumento das dificuldad­es na pandemia de Covid-19.

O sofrimento não cessa. O maior deles foi a perda de dois dos filhos, Allefer Adailton Granero da Silva, 6, e Allana Granero de Oliveira, 3, encontrado­s já sem vida em meio à lama. O casal só sobreviveu devido ao choro da filha mais nova, Thayla, de cinco meses, que serviu de guia para o resgate dos três.

Quase dois meses depois da tragédia, Gabriela e Talisson ainda não receberam a primeira parcela da verba do aluguel social prometido pelo município. “A prefeitura nos diz que precisamos de uma conta no banco aberta e de RG. Mas como? Perdemos tudo e não conseguimo­s tirar novos documentos agora com o Poupatempo fechado”, diz Gabriela.

Guarujá reservou às vítimas o valor de R$ 3.700, em 12 prestações —a primeira de R$ 1.500, e outras 11 de R$ 200. Segundo a prefeitura, 531 famílias recebem o benefício.

“Já ofereci até a minha conta, tentamos pelo CPF da Gabriela, mas a prefeitura não aceita nada. Nesta semana recebi R$ 50 e deixei para eles lá. Até a minha irmã, que mora em São Paulo, fez uma rifa para ajudá-los”, diz Fabiana da Cruz Granero, 42, mãe de Gabriela.

Desde a chegada do novo coronavíru­s ao país, o casal não conseguiu trabalhos informais e acabou sendo despejado da primeira casa que conseguiu com a ajuda de amigos e parentes.

“Eles estão sem nada. Venderam até a bicicleta que ganharam para não passarem fome”, conta Fabiana.

O casal teve a casa em que morava há dois anos e meio na Barreira do João Guarda, em Guarujá, totalmente destruída pelos deslizamen­tos de terra. A comunidade registrou 23 das 45 mortes no litoral.

Na ocasião da tragédia, soterrados, já sem forças para suportar parte do muro e escombros que estavam sobre eles, o choro do bebê ecoou como “sirene”. Thayla foi a primeira a ser retirada, enquanto Gabriela e Talisson demoraram mais de duas horas para ser resgatados. Eles tiveram apenas ferimentos superficia­is. “Carregarem­os uma marca para sempre”, desabafa Gabriela. “É como uma cicatriz, isso está em nós agora”, disse Talisson.

O alento recente ao casal foi o pagamento da primeira parcela do auxílio emergencia­l de R$ 600 a Talisson. Com dívidas e dificuldad­es, porém, o valor já se esvaiu. “Onde eles estão agora é mais barra pesada. No quintal onde eles moram roubaram duas bicicletas da vizinha. Eles precisam recomeçar”, disse Fabiana.

Além da filha do casal, somente um pássaro restou no antigo lar. O animal ganhou o nome de Sobreviven­te.

A família atingida perdeu os três barracos que tinha no local. Eles relatam que o chão da casa foi sugado para baixo com a força da terra. Paredes e estruturas se romperam.

No dia da tragédia, em entrevista na Prefeitura de Santos, o governador João Doria informou que o estado também vai disponibil­izar verba para o recurso no valor de R$ 4.600, sendo uma parcela de R$ 1.000 e mais 12 de R$ 300. A família também não recebeu o valor.

“Que motivos temos hoje para comemorar um Dia das Mães? Ela ainda sofre muito, não tem mais alegria e passa dificuldad­es”, conta Fabiana.

A Prefeitura de Guarujá diz que está regularmen­te em dia com todas as famílias cadastrada­s para a locação social e que, no caso de Gabriela, o benefício não foi pago pela ausência de conta bancária em seu nome.

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Eduardo Anizelli - 13.mar.20/Folhapress Talisson de Jesus e Gabriela Ferreira com a filha Thayla; casa da família foi destruída em março

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